quarta-feira, março 01, 2006

Uma Casa na Escuridão

Para a nossa administradora que anda tão silenciosa... O teu livro doloroso... ;-)

Uma Casa na Escuridão é um romance com grande momentos de verdadeira poesia, um romance que prescruta a alma desesperada de um narrador, que encontra o verdadeiro amor na imagem de uma mulher reflectida dentro do seu próprio interior, mulher que não existe no seu tempo real, amor esse que é descrito e passado a papel noite após noite, centro único da sua vida que já se manifestava completamente despegada da vida real, na sua casa, vivendo com a sua mãe e a sua escrava, a casa na escuridão. A verdadeira poesia em prosa é a grande marca deste romance, encontra-se poesia em prosa a cada página, revelando em grande profundidade toda a introspecção do narrador, e tudo quanto ele sente, quanto ao amor e ao mundo que o rodeia. O romance tem momentos de espectáculo, momentos de tragédia, momentos de crueldade, momentos de humanidade também, grandes momentos fazendo lembrar actos teatrais, que não se esperam e que nos surpreendem quando o romance parece começar a entrar em monotonia poética. Resumindo, uma casa na escuridão com um ambiente de rotina mas com um grande e extenso passado, de tragédias e de tristeza, brutalmente sacudida por uma invasão, bárbara, que decepa com requintes de maldade todos os membros daquela casa; que, após isso, sobrevivem e continuam a viver sob o jugo dos seus invasores, encontrando ainda assim momentos de fraternidade salpicados por instantes de crueldade. Muita ficção, muita irrealidade num cenário de sentimentos absolutamente reais, onde toda a réstia de esperança se esvai, mostrando a nu toda a crueldade da humanidade mas em simultâneo toda a sua fraternidade, lado a lado e sem intervalos, a angústia de cada um como suporte de comunicação entre todos, a comunicação do silêncio sem necessidade de palavras, traduzidas pelas descrições e narrativas poéticas. Personagens identificados com os seus destinos, personagens que se cumprem, também personagens sem vislumbre do seu destino após julgarem se terem cumprido, é um romance extremamente rico que nos faz pensar nas suas várias dimensões após a leitura da última página.
Por tudo isto, Peixoto não fica a dever nada a outros grandes romancistas portugueses (e estrangeiros), notando-se uma enorme maturidade na complexa construção do seu poético romance de tragédia - talvez a utilização de demasiados vulgares lugares-comuns na sua construção poética, mas, se este ainda é o inicio da construção da obra de um romancista (2º romance) posso dizer que o Peixoto, ainda com muitos anos pela frente, parte com uma grande vantagem relativamente a muitos dos seus antecessores.

Link: http://www.nescritas.nletras.com/poemasjoseluispeixoto/