No novo portal Edit on Web, André Domingues faz a recensão de Registo de Nascimento.
Es tarde.Uno escribe su vida en un poema,
Es tarde.Uno escribe su vida en un poema,
analiza el amor.
Luis Garcia Montero
Luis Garcia Montero
É importante perguntar: onde começa uma biografia? Na nudez microscópica dos signos, numa breve advertência a quem lê (e, sob esse exercício, se ilumina e vampiriza) um tratado sobre as pequenas coisas imprescindíveis, ou no Prefácio que remetemos incondicionalmente à nossa vida?
Luís Filipe Cristóvão (Torres Vedras, 1979) parece querer dizer-nos que, para quem não lê, para o "não-leitor", a leitura é uma proposta passiva e o poema uma proposição impossível e, todavia, tudo é legível ou susceptível de leitura, de contacto, de poesia, de relação.
"Registo de Nascimento" é uma certidão de óbito para quem pensa que as coisas são o que são, valem o que valem, dizem o que dizem, ou seja, é um livro perigoso para quem não procura mais numa biografia que um par de datas inequívocas, colocadas algures naquele intervalo vazio, que Pessoa personalizava: "todos os dias são meus".
A posse dos nossos dias pressupõe uma alteração constante no modo como concebemos a nossa existência e a dos outros. Por isso, o poeta afirma: "preciso de ver outras pessoas/para finalmente me sentir ausente em plenitude". É na experimentação do contraste que se revela a perfeição. E é na ressuscitação conceptual dos brinquedos (uma menina é uma imitação de uma boneca e não o contrário) e na sua segunda morte de verdade, que o autor consegue, por fim, ouvir o silêncio e a paz: "as bonecas agora são só bonecas, do lado de lá da parede/nada resta para que se possa imaginar"
Os dias de Luís Filipe Cristóvão estão patentes no seu livro de estreia, marcado pelo uso da linguagem coloquial e pela reflexão quotidiana, "os homens conversam na soleira da porta/ lá fora os cães, as crianças correm/ É sábado de tarde, sopra uma brisa", mas também por um constante exercício de encantamento/desencantamento, muitas vezes mediado pela expectativa "desarrumada" de receber uma visita repentina ou a confirmação do caos: "patrocino um pequeno caos nas minhas coisas para poder dizer, sempre que alguém sugere vir a minha casa, não pode ser, ainda tenho de arrumar as coisas."
E "as coisas mais simples são como as pessoas que amamos" e são estas coisas simples, aforísticas e decifráveis, que melhor definem as palavras: "as palavras nunca feriram ninguém de morte. Teme antes os lábios que ficaram por beijar e a pele que não cheiraste". O "não-leitor", segundo a concepção do poeta, não tem acesso à experiência mais válida, à vida, mas à contingência e à frustração, algo ausente entre a dor incógnita e o analfabetismo emocional, "e depois tudo tudo/sempre a andar para trás". Recorrendo a sucessivas e por vezes involuntárias analepses, Luís Filipe Cristóvão porque leu, lembra-se de tudo, e torna-se a lembrar: "lembrar, lembrar/noites em frente da televisão/alguém que bate à porta/o avô morreu/lembrar lembrar".
Luís Filipe Cristóvão (Torres Vedras, 1979) parece querer dizer-nos que, para quem não lê, para o "não-leitor", a leitura é uma proposta passiva e o poema uma proposição impossível e, todavia, tudo é legível ou susceptível de leitura, de contacto, de poesia, de relação.
"Registo de Nascimento" é uma certidão de óbito para quem pensa que as coisas são o que são, valem o que valem, dizem o que dizem, ou seja, é um livro perigoso para quem não procura mais numa biografia que um par de datas inequívocas, colocadas algures naquele intervalo vazio, que Pessoa personalizava: "todos os dias são meus".
A posse dos nossos dias pressupõe uma alteração constante no modo como concebemos a nossa existência e a dos outros. Por isso, o poeta afirma: "preciso de ver outras pessoas/para finalmente me sentir ausente em plenitude". É na experimentação do contraste que se revela a perfeição. E é na ressuscitação conceptual dos brinquedos (uma menina é uma imitação de uma boneca e não o contrário) e na sua segunda morte de verdade, que o autor consegue, por fim, ouvir o silêncio e a paz: "as bonecas agora são só bonecas, do lado de lá da parede/nada resta para que se possa imaginar"
Os dias de Luís Filipe Cristóvão estão patentes no seu livro de estreia, marcado pelo uso da linguagem coloquial e pela reflexão quotidiana, "os homens conversam na soleira da porta/ lá fora os cães, as crianças correm/ É sábado de tarde, sopra uma brisa", mas também por um constante exercício de encantamento/desencantamento, muitas vezes mediado pela expectativa "desarrumada" de receber uma visita repentina ou a confirmação do caos: "patrocino um pequeno caos nas minhas coisas para poder dizer, sempre que alguém sugere vir a minha casa, não pode ser, ainda tenho de arrumar as coisas."
E "as coisas mais simples são como as pessoas que amamos" e são estas coisas simples, aforísticas e decifráveis, que melhor definem as palavras: "as palavras nunca feriram ninguém de morte. Teme antes os lábios que ficaram por beijar e a pele que não cheiraste". O "não-leitor", segundo a concepção do poeta, não tem acesso à experiência mais válida, à vida, mas à contingência e à frustração, algo ausente entre a dor incógnita e o analfabetismo emocional, "e depois tudo tudo/sempre a andar para trás". Recorrendo a sucessivas e por vezes involuntárias analepses, Luís Filipe Cristóvão porque leu, lembra-se de tudo, e torna-se a lembrar: "lembrar, lembrar/noites em frente da televisão/alguém que bate à porta/o avô morreu/lembrar lembrar".
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