São quatro e meia da manhã, e já devia estar deitado há muitas horas atrás.
Mas não consigo dormir, não consigo mesmo, nem vale a pena tentar, as lágrimas escorrem-me pela cara, o lábio de baixo quase sangra de tanto o morder, o meu coração morreu há uns momentos atrás.
Acabei de ver um filme, aliás, uma cena de um filme, que sorte a minha, apanho sempre a mesma cena do filme, começo a achar que é uma mensagem para mim, atirada ao mar por outra parte de mim que me quer bem ferido e cru por dentro. O filme é "A Lista de Schindler", e a cena é a do massacre dos judeus no gueto de Varsóvia, aquela cena em que no meio das imensidões cruelmente cinzentas do filme se vê uma pequena menina perdida, com um casaco vermelho, um capuchinho perdido no meio dos lobos, uma pincelada de cor, de vida, no meio da morte que a rodeia.
Lembro-me de quando vi o filme no cinema, a revolta volta, é revolta pura o que sinto, não por motivos religiosos, não acredito nem no Bem nem em nenhuma religião em especial, há muito que perdi a pouca fé que ainda se me agarrava aos ossos. Nem se quer é a morte, essa não me afecta nem um pouco, conheço-a bem, chamo-a por vários nomes, nomes de amigos, nomes de família, nomes que não os meus sonhos não me deixam esquecer.
Para dizer a verdade, é a criança, a menina de vermelho.
Algo em mim se parte quando vejo aquela criança ali, aquela criança que sei que morrerá, morrerá como tantas, mas é aquela que dá corpo aos meus medos, que dá nome aos meus desgostos.
Todos os músculos do meu corpo querem agarrá-la, levá-la dali, protegê-la desta morte que a rodeia, a esta menina que não existiu nunca realmente, mas que existe para mim, que existe para os meus olhos. E as lágrimas caem dos meus olhos porque estou sentado, num confortável sofá, mais de cinquenta anos depois, a ver uma menina que nunca existiu caminhar inocentemente para a morte.
E, apesar disso, quero salvá-la. Quero mesmo. E o meu desgosto é não conseguir, não conseguir que aquela criança se salve, que nenhuma delas se salve, simplesmente porque ela é, como tantas outras, uma pincelada de cor de sangue vivo no nosso mundo de purgatórios cinzentos e mortos.
E nunca os conseguimos salvar.
Que vontade de matar quem a mata, de esmagar quem vai esbater o seu sorriso, por motivos que nem eu nem ela percebemos bem.
E mesmo assim não a consigo salvar.
Nem mesmo dentro de mim.
Mas não consigo dormir, não consigo mesmo, nem vale a pena tentar, as lágrimas escorrem-me pela cara, o lábio de baixo quase sangra de tanto o morder, o meu coração morreu há uns momentos atrás.
Acabei de ver um filme, aliás, uma cena de um filme, que sorte a minha, apanho sempre a mesma cena do filme, começo a achar que é uma mensagem para mim, atirada ao mar por outra parte de mim que me quer bem ferido e cru por dentro. O filme é "A Lista de Schindler", e a cena é a do massacre dos judeus no gueto de Varsóvia, aquela cena em que no meio das imensidões cruelmente cinzentas do filme se vê uma pequena menina perdida, com um casaco vermelho, um capuchinho perdido no meio dos lobos, uma pincelada de cor, de vida, no meio da morte que a rodeia.
Lembro-me de quando vi o filme no cinema, a revolta volta, é revolta pura o que sinto, não por motivos religiosos, não acredito nem no Bem nem em nenhuma religião em especial, há muito que perdi a pouca fé que ainda se me agarrava aos ossos. Nem se quer é a morte, essa não me afecta nem um pouco, conheço-a bem, chamo-a por vários nomes, nomes de amigos, nomes de família, nomes que não os meus sonhos não me deixam esquecer.
Para dizer a verdade, é a criança, a menina de vermelho.
Algo em mim se parte quando vejo aquela criança ali, aquela criança que sei que morrerá, morrerá como tantas, mas é aquela que dá corpo aos meus medos, que dá nome aos meus desgostos.
Todos os músculos do meu corpo querem agarrá-la, levá-la dali, protegê-la desta morte que a rodeia, a esta menina que não existiu nunca realmente, mas que existe para mim, que existe para os meus olhos. E as lágrimas caem dos meus olhos porque estou sentado, num confortável sofá, mais de cinquenta anos depois, a ver uma menina que nunca existiu caminhar inocentemente para a morte.
E, apesar disso, quero salvá-la. Quero mesmo. E o meu desgosto é não conseguir, não conseguir que aquela criança se salve, que nenhuma delas se salve, simplesmente porque ela é, como tantas outras, uma pincelada de cor de sangue vivo no nosso mundo de purgatórios cinzentos e mortos.
E nunca os conseguimos salvar.
Que vontade de matar quem a mata, de esmagar quem vai esbater o seu sorriso, por motivos que nem eu nem ela percebemos bem.
E mesmo assim não a consigo salvar.
Nem mesmo dentro de mim.