Fernando Pessoa foi um "ser-em-poesia" e criou e viveu quase todas as formas de viver e estar no mundo através das culturas que exprimiu. O seu temperamento levou-o a criar dramas em actos e acção, com personalidades diferentes, que se revelaram na heteronímia.
Em Fernando Pessoa coexistem duas vertentes: a tradicional e a modernista. Algumas das suas composições seguem na continuidade do lirismo português, com marcas do saudosismo; outras iniciam o processo de ruptura, que se concretiza nos heterónimos ou nas experiências modernistas que vão desde o Simbolismo ao Paulismo e Interseccionismo, no Pessoa ortónimo.
Fernando Pessoa foi um poeta e uma pessoa fora de série.
Vejamos um exemplo da particularidade deste génio num excerto de uma carta ao jovem amigo Casais Monteiro:
"…Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. (Não sei, bem entendido, se realmente não existiram, ou se sou eu que não existo. Nestas coisas, como em todas, não devemos ser dogmáticos.) Desde que me conheço como sendo aquilo a que chamo eu, me lembro de precisar mentalmente, em figura, movimentos, carácter e história, várias figuras irreais que eram para mim tão visíveis e minhas como as coisas daquilo a que chamamos, porventura abusivamente, a vida-real. Esta tendência, que me vem desde que me lembro de ser um eu, tem me acompanhado sempre, mudando um pouco o tipo de música com que me encanta, mas não alterando nunca a sua maneira de encantar."
Os heterónimos de maior relevo:
Alberto Caeiro é o poeta da simplicidade completa e clareza total. É o homem da calma absoluta perante o não sentido da realidade. É Pessoa quem afirma ter este heterónimo nascido em 1889 e falecido onde nasceu em 1915, vítima de tuberculose. A sua vida terá decorrido numa quinta do Ribatejo, onde seriam escritos quase todos os seus poemas. Representando a reconstrução ideal do Paganismo, descreve o mundo sem pensar nele e cria um conceito de universo que não contém uma interpretação. Alberto Caeiro não passa além do realismo sensorial; o único sentido oculto das coisas fica reduzido à própria percepção: cor, forma e existência. Este Alberto Caeiro tem entretanto dois discípulos: Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
Ricardo Reis: A sua filosofia de vida é a de um epicurismo triste, pois defende o prazer do momento, o "carpe diem", como caminho da felicidade, mas sem ceder aos impulsos dos instintos. Apesar deste prazer que procura e da felicidade que deseja alcançar considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade, ou seja, a ataraxia (a tranquilidade sem qualquer perturbação). Sente que tem que viver em conformidade com as leis do destino, indiferente à dor e ao desprazer numa verdadeira ilusão da felicidade, conseguida pelo esforço estóico disciplinado. Ricardo Reis é o poeta clássico, da serenidade epicurista, que aceita, com calma e lucidez, a relatividade e a fugacidade de todas as coisas.
Álvaro de Campos surge quando "sente um impulso para escrever". É o próprio Pessoa quem considera que Campos se encontra "no extremo oposto, inteiramente oposto a Ricardo Reis", apesar de ser como este um discípulo de Caeiro. Para Campos a sensação é tudo. O Sensacionismo torna a sensação a realidade da vida e a base da arte. O EU do poeta tenta integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou possibilidade de existir. Álvaro de Campos é quem melhor procura a totalização das sensações, mas sobretudo das percepções conforme as sente, ou, como ele próprio afirma, "sentir tudo de todas as maneiras". O seu sensacionismo distingue-se do de Alberto Caeiro na medida em que este considera a sensação captada pelos sentidos como a única realidade, mas rejeita o pensamento.
Fernando Pessoa é um dos génios da literatura portuguesa e vale a pena ser lido e relido. Há sempre algo de novo a descobrir... e a aprender.