Évora, terça-feira, 25 de abril de 2006
Ontem, quando Sérgio Godinho encerrava sua apresentação na Praça do Giraldo, em Évora, meio que numa subtil pressa, os fogos coloriram a noite e as caixas de som executaram uma gravação antiga de Grândola, Vila Morena, à capela. Olhei os relógios e percebi que marcavam zero horas. De súbito, consegui captar o sentido daquele ritual cronometrado. Compreendi o sentimento e minha reação foi remeter-me às minhas origens.
Chico Buarque de Holanda daqui e de alhures, como diria o cineasta moçambicano Ruy Guerra, daria o rubro dos cravos a uma de suas canções, ou seria uma prenda sonora dedicada aos irmãos lusitanos, como quem leva um buquê de flores a um amigo querido?
Inicialmente compôs uma letra que foi vetada pela censura brasileira e cuja gravação viria ser editada apenas em Portugal, em 1975. A original desta primeira versão era:
Sei que estás em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor do teu jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim
Em 1978 Chico reformularia a sua letra cuja versão definitiva ficou:
Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
E inda guardo, renitente
Um velho cravo para mim
Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto do jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Canta a primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim