segunda-feira, abril 17, 2006
A Ignorância (Partilha Literária)
“A vida do homem dura em média oitenta anos. É contando com esta duração que cada um imagina e organiza a sua vida. O que acabo de dizer é uma coisa que toda a gente sabe, mas raramente nos damos conta de que o número de anos que nos é atribuído não é um simples dado quantitativo, [...], mas faz parte da própria definição do homem. Alguém que pudesse viver, com toda a sua força, duas vezes mais, portanto, digamos, cento e sessenta anos, não pertenceria à mesma espécie que nós. Já nada seria semelhante na sua vida, nem o amor, nem as ambições, nem os sentimentos, nem a nostalgia, nada. Se um emigrado, depois de vinte anos vividos no estrangeiro, regressasse ao seu país natal com cem anos de vida ainda à sua frente, pouco experimentaria da emoção de um Grande Regresso, provavelmente para ele isso nada teria de regresso, não passando de mais de uma das voltas do longo percurso da sua existência.
Porque a própria noção de pátria, no sentido nobre e sentimental da palavra, liga-se à relativa brevidade da nossa vida, que nos proporciona muito pouco tempo para que nos apeguemos a outro país, a outros países, a outras línguas.”
in “A Ignorância” de Milan Kundera [Edições Asa]
Sempre que se fala do escritor Milan Kundera, é inevitável não se falar no livro “A Insustentável Leveza do Ser”, a sua obra mais popular. Talvez o faça num próximo post, não hoje. Hoje quero falar-vos do livro “A Ignorância”, em que Kundera volta usar o mesmo estilo de “A Insustentável Leveza do Ser”: um retrato histórico-social, quase autobiográfico, recheado de uma reflexão filosófica.
No livro “A Ignorância” Milan Kundera conta a história de Irena e Josef, dois emigrantes checos, que se encontram por acaso durante a viagem de regresso ao país natal, e tentam (re)viver uma estranha história de amor, iniciada anos antes de emigração. Mas distância e o tempo distorceram e apagaram as lembranças que cada um tem do passado, o que vai tornar aquele amor mais difícil...