sexta-feira, junho 02, 2006

A INCONGRUÊNCIA DOS HUMANOS

O exercício da política em cargo público traz o dirigente ao encontro de uma frustração pessoal. Com muita competência, vigilância, humildade e transpiração este fato é minimizado, mas não eliminado. Pode-se até alcançar bons resultados, mas sempre serão muito aquém do que se desejava inicialmente. Tenho, disto, a vivência pessoal e o acompanhamento de muitos casos. O que pensa o estreante idealista na prática administrativa governamental é muito diferente do que ele realiza ao assumir o poder. As decepções dos que acreditaram naqueles novos líderes, se repetem a cada mandato. Sempre há a esperança que um dia aprenderemos a votar. Não é o caso. Não é que as intenções não sejam as dos programas de governo. O motivo é outro. Claro que existem os políticos com “p” minúsculo que querem se aproveitar do cargo. Não estou falando destes, não merecem o trabalho de escrever sobre eles. Estou enfocando os bem intencionados, os que queriam e acreditavam que realizariam grandes feitos. O desapontamento do dirigente vem da incapacidade de transformar seus desejos em realidade. A dificuldade maior não é o peso da responsabilidade, a visão do todo, a burocracia administrativa, a falta de recursos em todos os setores, financeiros, humanos, materiais, temporais, é principalmente a incapacidade de vencer a si mesmo, de manter a coerência entre os desejos e as ações, de estreitar a distancia entre as mãos e o coração. Este pensamento fui buscar em Chico Buarque , filósofo do cotidiano, quando diz : “Sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo...(além da sífilis, é claro). Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, meu coração fecha os olhos e sinceramente chora. Meu coração tem um sereno jeito e as minhas mãos o golpe duro e presto, de tal maneira que, depois de feito, desencontrado, eu mesmo me contesto. Se trago as mãos distante do meu peito, é que há distância entre intenção e gesto e se meu coração nas mãos estreito, me assombra a súbita impressão de incesto. Quando me encontro no calor da luta, ostento a aguada empunhadora proa, mas o meu peito se desabotoa e se a sentença se anuncia bruta, mais que depressa a mão cega executa, pois que senão o coração perdoa.”
A frase angular: há distância entre a intenção e o gesto. É inerente ao ser humano esta distância. Para comprovar que esta incongruência não é coisa de hoje, nem só dos fracos, nem só dos impróprios, nem só dos políticos, cito São Paulo na sua carta aos Romanos: “...estou ciente que o bem não habita em mim, isto é na minha carne. Pois eu tenho capacidade de querer o bem , mas não de realizá-lo. Com efeito, não faço o bem que quero, mas faço o mal que não quero. Ora, se faço aquilo que não quero, então já não sou eu que estou agindo, mas o pecado que habita em mim. Portanto, descubro em mim esta lei: quando quero fazer o bem , é o mal que se me apresenta. Como homem interior, ponho toda a minha satisfação na lei de Deus, mas sinto em meus membros outra lei, que luta contra a lei da minha razão e me aprisiona na lei do pecado, essa lei que está em meus membros. Infeliz que eu sou. Quem me libertará deste corpo de morte?” A frase síntese: Pois eu tenho a capacidade de querer o bem , mas não de realizá-lo. Até São Paulo, homem santo e obstinado, sentiu esta dificuldade. Como vemos, não é fácil transformar desejos em resultados. Não é o administrador público que pela exceção confirma a regra. Reafirmo que a maior batalha do ser humano é com ele mesmo, o grande erro é o homem querer ganhar do mundo quando ainda está perdendo para si mesmo.
Pedro Dueire
Engenheiro e empresário.