quinta-feira, agosto 31, 2006

o senhor biva

Fui falar com o senhor Biva. Recebeu-me num estábulo que transformara em biblioteca. Pergunto-lhe: há quanto tempo não sai de casa?
- Que importância tem isso?
- As pessoas gostam de saber.
- Há uma semana. Só saio para me reunir com o pessoal.
- Diga-me, senhor Biva: no contexto literário português onde colocaria a obra de Lobo Antunes?
- Colocava-a ao lado do Joyce, numa prateleira na despensa onde tenho um viveiro de traças.
- E onde colocava os livros de Miguel Sousa Tavares?
- Numa máquina trituradora e fazia croquetes.
- Sei que tem um apreço reservado pela obra da Margarida Rebelo Pinto. Onde colocaria os seus livros?
- Punha-os na cama quando a minha mulher está com o período.
- E os livros de Miguel Esteves Cardoso?
- Colocava-os dentro dum preservativo e ia às putas com eles.
- É do conhecimento público que testemunhou o início literário de José Riço Direitinho. Onde colocaria os seus livros?
- Besuntava-os com alho e pendurava-os por cima da porta para afastar os fantasmas da imaginação.
- E a imensa obra de Gonçalo M. Tavares?
- Colocava-a dentro de uma pia de água benta, juntava-lhe um quilo de farinha filosófica e uma colher de fermento psicológico (pode ser a colher de Samuel), depois fazia uma papa generosa e alimentava os pobres de espírito.
- Sei que não suporta o Jorge Reis-Sá, mas faço-lhe a mesma pergunta.
- Fazia uma encomenda dos seus livritos e enviava-os para uma instituição de apoio à imbecilidade (com despesas a suportar pelo próprio autor).
- E onde colocaria os livros dessa figura pública que dá pelo nome de José Rodrigues dos Santos?
- Entre as maminhas da Adília Lopes.
- Mas essa poetisa é muito considerada.
- É uma Florbela Espanca em versão hardcore.
- Também acompanhou o início de carreira literária de Possidónio Cachapa. Onde colocaria os seus livros?
- Numa fogueira em noite de S. João.
- Está a ser muito vago, senhor Biva.
- Ok. Quando esse autor apareceu cá no meio escreveram que ele tinha feito uma entrada fulminante na literatura portuguesa. Agora verifica-se que foi só pólvora seca.
- E Maria do Rosário Pedreira?
- Atava os seus livritos e escondia-os dentro das barbas de Henrik Ibsen.
- Mas as barbas dele não são assim tão vastas.
- Isso não é importante. Reduz-se a obra ao tamanho da mediocridade.
- Onde colocaria os livros de Fernando Pinto do Amaral?
- Colocava-os juntos com o enxoval literário da Inês Pedrosa.
- E os dela?
- Enviava-os para reciclagem a um estilista moral para criar lingerie.
- E a pequena obra de Alexandre Andrade?
- Colocava-a na abertura do jornal de informação da tvi, com os apresentadores a cuspirem espinhas de estilo e bolas de totoloto.
- Onde colocaria a obra ensaística de Eduardo Prado Coelho?
- Talvez o melhor lugar fosse no cesto das cebolas.
- Para terminar, senhor Biva: qual é a sua opinião sobre o romance português?
- Muita palha para muitos burros.
- E a poesia?
- Muita água e tão pouca higiene.
- Só mais uma pergunta: onde colocaria os livros de João Pedro George?
- Na mesa-de-cabeceira da margarida Rebelo Pinto, dentro do penico.
- Isto vai trazer-lhe problemas, senhor Biva.
- Não tem importância.
- Agora sim, mesmo para terminar: onde colocaria a sua própria obra?
- No útero da minha mãe.

Nota – este é um texto de ficção. Qualquer relação com a realidade até pode não ser coincidência. Muitos nomes ficaram de fora da análise do senhor Biva. Insisti com ele para que a lista fosse mais substancial. Ele recusou sempre e alegou cobardia.

in textos de BIVA

Publicado por Fernando Esteves Pinto AQUI

quarta-feira, agosto 30, 2006

Debate O OLHAR CRÍTICO na Culturgest



O blog 'O Melhor Anjo' da autoria do crítico Tiago Bartolomeu Costa comemora 3 anos a 08 de Setembro, com um debate sobre a crítica de artes performativas, intitulado O OLHAR CRÍTICO. O debate decorre no dia 08 de Setembro, às 18h00, na Culturgest, e conta com a presença de Augusto M. Seabra (sociólogo e crítico, Público), Maria José Fazenda (antropóloga, ex-crítica, Público), Miguel-Pedro Quadrio (professor universitário, crítico, Diário de Notícias) e Tiago Bartolomeu Costa (autor do blog 'O Melhor Anjo', crítico de dança no Público). Moderação de Mónica Guerreiro (consultora no Instituto das Artes, ex-crítica, Blitz).


Sendo, até à data, o único espaço virtual dedicado exclusivamente à crítica e reflexão sobre artes performativas tem, através da publicação regular, procurado criar uma alternativa para o discurso crítico.
Com o tempo tem vindo a constituir-se como uma relevante base de informações, onde se reúnem contributos de diversos autores, se propõem outras abordagens para os objectos artísticos, se buscam formas de contrariar a efemeridade dos espectáculos, ao mesmo tempo que procura pensar sobre o lugar da crítica e do discurso crítico. Para celebrar este aniversário 'O Melhor Anjo' propõe, em colaboração com vários espaços na cidade, um conjunto de iniciativas sob o signo da observação, que mais não querem do que contribuir para uma maior discussão sobre o papel da crítica num contexto cultural tão carente de discussão (e, por vezes, cúmplice dessa carência). Uma festa para a qual estão todos convidados.


Tiago Bartolomeu Costa

***
Mais informações:
o_melhor_anjo_@aeiou.pt

[Tiago Bartolomeu Costa é crítico de teatro e dança. Colabora com várias publicações nacionais e estrangeiras, entre as quais, o jornal Público, as revistas Mouvement, Ballet-Tanz e Sinais de Cena e o site http://www.idanca.net/. É editor do blog de crítica O Melhor Anjo e membro do Conselho Consultivo Internacional do festival Divadelná Nitra, na Eslováquia.]

Mostra Internazionale d'Arte Cinematografica


O Festival de Veneza é um festival internacional de cinema que é realizado anualmente na cidade de Veneza, em Itália, desde 1932.

Mais Informações

O mais antigo festival de cinema da Europa começa hoje em Veneza, com 21 filmes em competição, entre os quais as últimas películas de Stephen Frears, Brian de Palma e Alain Resnais.
Nesta 63ª edição do certame, o cinema português está ausente da corrida ao Leão de Ouro, mas, fora da competição, será exibida em estreia mundial, no próximo dia 8, o mais recente filme de Manoel de Oliveira, «Belle Toujours», com Bulle Ogier e Michel Piccoli.

Fonte: Diário Digital / Lusa

Satanás (Cont.)

Sem mais delongas, e tal como referi ontem, eis mais alguns excertos de Satanás, de Mário Mendoza:

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- Tenho medo, padre.
- Porquê?
- Estou a enlouquecer.
- Que se passa?
- Tenho pensamentos atrozes.
- Conta-me.
- Não tenho perdão.
- Deus é infinitamente misericordioso, filho, o seu perdão não tem limites.
A igreja está vazia, sem o ruído de passos e de murmúrios provocado pelos paroquianos ao longo da nave central. Uma luz ténue entra pelos vitrais do tecto e espalha-se em brilhos multicolores que dão ao lugar um ar de irrealidade, como se se tratasse de uma imagem onírica, sonhada, e não de objectos e de lugares palpáveis e reais. O padre Ernesto está sentado no confessionário e a voz que lhe chega revela angústia e desespero, noites de insónia, medo de si próprio, uns nervos prestes a explodir e uma mente que roça o delírio e a demência de forma perigosa. (...)
- Confia em Deus, filho.
Ouve-se do outro lado uma respiração entrecortada, afogada, difícil. Finalmente, o homem decide falar:
- Não sei o que me passa pela cabeça, padre, não me reconheço, este não sou eu.
- Conta-me pouco a pouco.
(...)
- Tudo começou com a perda do meu trabalho, padre. Fiquei sem emprego e foi-me impossível encontrar outro, os meses passam e nada, não havia uma vaga em lado nenhum, algumas horas de trabalho, uma colocação temporária, nada. Perdemos o apartamento onde vivíamos e penhoraram-nos os móveis, a roupa, os electrodomésticos, tudo. Fomos viver para casa dos pais da minha mulher com as duas meninas. Pode imaginar o que foi aquele pesadelo, as brigas, as discussões, as lutas de manhã à noite.
- Sim, filho, compreendo.
- O meu sogro morreu e toda a família dizia que tinha sido por nossa culpa, que o venho tinha morrido porque já não aguentava. Passado um mês, morreu a minha sogra de tanto desgosto. A minha mulher disse-me no dia do funeral: "Tu mataste-os, deixaste-me órfã."
- Frases que se dizem por impotência, filho, com zanga e irritação.
- Depois veio a fome, padre, a fome física, as dores de estômago das minhas duas filhas, a anemia, a desnutrição, as constipações recorrentes, a falta de sono. A minha mulher disse que não pensava deixar morrer as filhas de fome e foi para a praça do mercado mendigar, apanhar do chão frutos podres, verduras esmagadas, pedaços de pão esquecidos.
- Sinto muito, filho.
- E agora cheguei ao limite, padre. Tenho sonhos que me visitam até de dia, assim que fecho os olhos. Quero libertar a minha mulher e as minhas filhas do sofrimento, não desejo mais dor para elas.
- Acalma-te.
- Quero matá-las, padre. Vejo-as a toda a hora manchadas de sangue, esfaqueadas pela minha mão. Cheguei a passear pela casa durante a noite, tremendo, febril, invadido pela vontade de matar. Entende-me, padre?
- Não te assustes, filho. Deus não permitirá uma coisa dessas.
- Quero assassiná-las, padre, mas por amor, porque não quero que continuem a sofrer desta maneira. Tenho de as ajudar, de as libertar deste horror.
- Vamos rezar juntos, filhos, vamos pedir por ti e pela tua família. Deus ouvir-nos-á.
O padre Ernesto entoa uma prece e depois repete um Pai-Nosso e uma Ave-Maria acompanhada pela voz do homem. Depois pergunta:
- Estás arrependido, filho?
- Não sei, padre, não sei se estou arrependido. Já lhe disse que tudo o que me vem à cabeça é por amor.
- Para que Deus te perdoe, tens de estar arrependido.
- Pois...
(...)
O que precisa fazer é arranjar quanto antes um trabalho àquele homem, seja no que for, e, entretanto, recorrer aos fundos de emergência da igreja e da caridade alheia para arranjar um sustento que permita às suas duas filhas, à mulher e a ele próprio, alimentar-se e recuperar da inanição e da doença. Depois será muito mais fácil derrotar aquela força maligna que se apoderou do seu espírito, aqueles instintos criminosos disfarçados de bondade e benevolência.
Uma mulher obesa que vem a subir pela mesma rua levanta a mão direita pedindo-lhe para parar e diz-lhe com a voz alarmada e inquieta:
- Que sorte encontrá-lo, padre.
A expressão faz o padre Ernesto sorrir.
- A mim?
- Sim, padre.
- E pode saber-se porquê?
A mulher recupera o fôlego e diz-lhe:
- Estão à sua procura por toda a parte Acaba de me dizer a minha filha.
- E quem precisa de mim com tanta urgência?
- As pessoas estão reunidas na igreja.
- A missa é só às sete - diz o padre Ernesto, perplexo.
- Estão à sua espera há uma hora.
- Mas o que aconteceu?
- É melhor ir depressa, padre.
(...)
O padre Ernesto passa por entre o povo sem cumprimentar ninguém e entra na igreja com a suspeita de saber quem o espera dentro do recinto sagrado. Ajoelhado diante do altar com a cabeça inclinada sobre o peito e com uma faca ensaguentada no chão a poucos centímetros dele, um homem magro e encurvado parece estar a afogar-se na torrente do seu próprio pranto
.

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Maria chega à rua e percorre alguns quarteirões até à avenida principal. Estica o braço e um taxi pára junto dela para a recolher. Abre a porta traseira e senta-se com os joelhos unidos e com a carteira no colo.
- Para a Carrera Quince com a Calle Setenta y Seis, por favor.
- Claro, boneca - diz uma voz amável e juvenil.
Fecha a porta do taxi e observa pela primeia vez o aspecto do taxista. É um homem de uns vinte e quatro anos, com uns jeans e uma camisola de algodão desportiva, que a observa de vez em quando através do espelho retrovisor. Maria apercebe-se de que a cadeira do co-piloto está inclinada para a frente, permitindo ao passageiro esticar as pernas à vontade.
O taxi roda pela Avenida Diecinueve em direcção ao Sul. No semáforo da Calle Cien, em vez de voltar à esquerda para se dirigir à Carrera Once, o condutor volta à direita, na direcção da Auto-Estrada Norte.
Maria repara no engano:
- Para onde vai?
- Vou pela auto-estrada.
- E porque não vai pela Carrera Once?
- Por aqui é mais rápido.
(...)
O taxi passa a Calle Noventa y Dos e segue em frente. O homem conduz a uma velocidade média, sem pressa, como se gozasse da tensão crescente que se sente dentro do automóvel.
- És muito pouco conversadora, boneca.
- Tenho pressa.
- São assim as meninas ricas, não gostam de falar com os pobres.
- Eu não sou nenhuma menina rica.
- Deixe-se de tontices, lourinha - a voz é agora agressiva, dura, intimidativa. - Se fosse pobre não andaria na farra na Zona Norte, nem viveria onde vive, nem usaria a roupa que usa.
- Engana-se...
- Cale a boca, lourinha, que estou a ficar com mau génio.
- Faça o favor de parar. Vou sair.
- Ah sim?
- Pare aqui, por favor.
- Você julga que pode dar ordens. Não maninha, enganou-se. Aqui quem dá as ordens sou eu.
A determinada altura, o banco do passageiro levanta-se e, da parte dianteira do carro, um homem que estava agachado e bem escondido aparece como por magia e por artes de prestidigitação. É da mesma idade do condutor e tem uma navalha na mão direita.
- O que é isto? - pergunta Maria com o coração a bater aceleradamente.
- Surpresa - diz o homem com uma voz esganiçada - , eu sou o coelho que estava dentro da cartola.
(...)
O carro atravessa a Carrera Treinta, a Avenida Sesenta y Ocho e a Avenida Boyacá e pára num descampado, nos arredores de Bogotá. O condutor desliga o motor. O silêncio da noite é total. Um ou dois carros ocasionais ouvem-se de vez em quando ao longe. O co-piloto ordena:
- Vamos para baixo, loirinha.
Maria sente que as pernas não lhe respondem muito bem. O medo mantém-na paralisada, com os músculos imóveis e entorpecidos.
- Não ouviu, loirinha? Acorde.
Acaba por conseguir abrir a porta e sair do carro desajeitadamente. Em pânico, observa os números da matrícula pintados num dos lados do taxi. Os dois homens saem sorridentes e aproximam-se esfregando as mãos. O que vinha a conduzir tira uma moeda e pergunta ao outro: - Cara ou coroa?
- Coroa - responde o da navalha.
A moeda dá voltas no ar e cai na palma da mão do condutor.
- Cara - diz este. - Calha-me a mim primeiro.
Aproxima-se de Maria e ordena-lhe:
- Vamos, meu amor.
- Por favor, não me façam mal.
- Vamos - torna a dizer o homem, empurrando-a até a deixar reclinada no banco traseiro do carro. Senta-se ao lado dela e fecha a porta.- Vamos, tiro-lhe a blusinha para agarrar nessas tetas.
- Peço-lhe.
(...)
Tira o casaco com brusquidão, dá um puxão, rasga-lhe a blusa e atira-a para o chão do carro, puxa o soutien para cima e começa a beijar-lhe e a acariciar-lhe os seios, respirando como um animal.
- Que par de tetas tão boas, bonequinha.
Maria não consegue mexer-se nem dizer nada. Vê o homem beijá-la e apalpá-la mas não sente nada, é como se o seu corpo pertencesse a outra mulher e ela estivesse a presenciar a sua violação.
(...)
Despe-se rapidamente e, com o membro erecto, inclina-se sobre o corpo de Maria.
- Abre as pernas, bonequinha.
Separa-lhe as pernas à força e penetra-a violentamente, com a respiração entrecortada, como se estivesse a afogar-se. Repete como um autómato enquanto mexe as ancas de cima para baixo:
- Puta, puta, puta...
Maria não sente nada. Olha para o tecto do carro com o olhar perdido, alheado, desligado da realidade. O homem emite um longo gemido, fica imóvel um instante e senta-se de novo junto ao corpo da rapariga. Nessa altura repara nas manchas de sangue nas pernas dela, no banco, no seu pénis - agora flácido - e nos testículos.
- Meu amor, não me disseste que eras virgem.
Veste-se e abre a porta do carro. O homem da navalha está encostado à mala, passando a navalha de uma mão para a outra.
- Mano, a bonequinha era virgem.
- Sim?
- Tirei-lhe os três, imagina a delícia.
- Deixa passar, mano, que agora é a minha vez - diz o co-piloto, entrando no carro de sopetão.
Fecha a porta, pousa a navalha no chão e tira a roupa sem dizer uma palavra. Agarra Maria pelos ombros e dá-lhe a volta, pondo-a de barriga para baixo.
- Vou tirar-lhe a outra tampa, boneca, a do cuzinho.
Afasta as nádegas avantajadas de Maria com a mão esquerda, agarra no membro com a direita e mete-o pouco a pouco pelo ânus dela até o sentir bem aberto e dilatado. Não chega a durar cinco segundos e ejacula com os olhos fechados. É um acto rápido, prematuro. Maria chora com a cara afundada no banco. O tipo levanta-se, veste-se, agarra na navalha, dá uma palmada no traseiro de Maria e diz-lhe:
- Obrigado por esse rabo, boneca.
Sai do carro e dirige-se ao seu companheiro:
- Despachado, mestre.
- Que tal? - pergunta-lhe o condutor, aproximando-se.
- Bom, fui-lhe ao cu.
- Outra que perdeu a virgindade.
- Sim, mano, ficou a sangrar pela frente e por trás.
- Missão cumprida, vamos.
Fazem sair a sua vítima e deixam-na jogada no prado com a roupa junto dela. O táxi desaparece na escuridão.
Um vento frio e gelado obriga Maria a voltar a si. Veste-se com as mãos rígidas devido à baixa temperatura e calça os sapatos. Uma dor aguda, tenaz, percorre-lhe o corpo todo. Andando com dificuldade, aproxima-se da avenida para pedir ajuda. Lá em cima, no céu, uma lua cheia ilumina a noite como se fosse um refractor gigantesco rompendo as trevas.


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A campainha do telefone arranca Andrés das suas reflexões. Deixa a gravura em cima da secretária e levanta o auscultador:
- Está?
- Andrés?
- Sim, sou eu.
- É a Angélica.
- Olá, tudo bem?
- Preciso de te ver - diz ela com a voz num sussuro.
- Agora?
- Podemos conversar esta tarde?
- Não pode ser amanhã?
- É urgente.
- Aconteceu-te alguma coisa?
- Preciso de falar contigo.
- E tem de ser hoje?
- É muito importante, Andrés.
- Okay, diz-me onde.
- Na bilheteira do teleférico que sobe até Monserrate.
- Monserrate hoje?
- É um sítio tranquilo, sem gente, sem carros. Tenho de te contar uma coisa muito importante.
- A que horas?
- Achas bem às três?
- Combinado, às três na bilheteira.
- Não faltes, Andrés.
- Oiço-te como se fosse uma chamada de longa distância. O que te aconteceu?
- Prefiro dizê-lo pessoalmente.
- É grave?
Entre gemidos e suspiros ouve-se a voz longínqua dela:
- Muito.
(...)
Uma chuvinha começa a cair sobre a cidade às duas e meia da tarde. Andrés vai num táxi pela Avenida Circunvalar, contornando as montanhas, e observa as gotas de água batendo contra os vidros do carro. Interroga-se sobre que diacho terá acontecido a Angélica e deseja intimamente que não seja uma situação irremediável, mas antes um sofrimento passageiro, uma prova que depois de superada não deixa marcas indeléveis nem sequelas destrutivas. Às duas e cinquenta paga o que indica o taxímetro e desce diante da bilheteira do teleférico de Monserrate.
Angélica está à espera dele sentada nas escadas da antiga estação. Assim que o vê, atira-se a ele e abraça-o sem o largar, como se fossem enviá-los para países diferentes e estivessem a despedir-se nas partidas internacionais do aeroporto. Ele afasta-a um pouco para lhe dar um beijo e é nessa altura que descobre os pontos violáceos na cara dela. São manchas pequenas, minúsculas mas bastante visíveis, como se a pele manifestasse os rigores de uma varicela ou de um sarampo.
- O que te aconteceu? - pergunta-lhe sem a beijar.
- É disso que te quero falar.
(...)
Um longo silêncio augura uma mudança no rumo da conversa. Angélica pergunta de chofre:
- Porque me pintaste daquela maneira?
- Referes-te ao retrato?
- Sim.
- Não sei.
- Mas porque me pintaste como Proserpina nos infernos?
- Não sei, Angélica, pareceu-me ver em ti algumas parecenças com o quadro de Rossetti e quis prestar-lhe uma homenagem.
- Não estás a ser sincero comigo. Isto é muito importante para mim, não me evites. Diz-me por que apareço no Hades com as faces picadas e carcomidas.
- Não sei, juro-te...
- Tu não querias pintar-me.
- Não.
- Porquê?
Andrés apercebe-se da angústia que aflige Angélica, da necessidade que tem de uma resposta sincera e transparente. Não se pode furtar a isso e responde:
- Há algumas semanas fiz um retrato do meu tio Manuel. Pintei-o com algumas malformações na garganta. Telefonou-me passados alguns dias dizendo-me que tinha um tumor cancerígeno muito avançado precisamente nessa zona. Está em tratamento mas não melhora. O mais certo é morrer rapidamente.
- E porque o pintaste assim?
- Não sei, Angélica, sinto-me como se estivesse num pesadelo, é uma força irracional que de repente se apodera de mim, como se estivesse em transe, possesso, invadido por imagens que se impõem na tela. Tive tanto medo que nunca mais quis voltar a fazer retratos.
- Por isso não querias pintar-me.
- Sim.
- E por isso ficas com febre e adoeces.
- O desgaste deixa-me prostrado.
Angélica passa as mãos pelo cabelo, observa-o de soslaio e pergunta-lhe:
- O que sentiste quando estavas a pintar-me?
- A mesma coisa, vi-te com olheiras, cheia de chagas e o pincel encarregou-se de dar forma, na tela, a essas visões.
(...)
- Tenho de contar-te uma coisa muito grave - diz-lhe Angélica. Ele observa-lhe a pele da cara manchada pelos pequenos pontos que a desfiguram.
- Diz.
- As borbulhas que tenho são uma doença que se chama Molusco Contagioso.
- O que é isso?
- É uma doença de pele.
- Mas tem cura, imagino.
- Não é essa a questão.
- Não compreendo.
(...)
- Explica-me por que razão não é importante curar-se - insiste Andrés baixando a chávena e colocando-a na mesa.
- Porque o Molusco Contagioso é apenas uma manifestação de uma doença muito mais grave.
- Como assim?
Ela deixa de lado o café e diz em voz baixa:
- Fiz alguns exames e tenho sida, Andrés.
Angélica baixa a cabeça e limpa as lágrimas com a mão. Andrés continua a sentir que não está na realidade, mas num pesadelo do qual desajaria acordar quanto antes.
- Tens a certeza?
- Fiz um segundo exame e também deu positivo.
- E sabes desde quando és seropositiva?
- Não.
- Isso significa que também posso estar contagiado.
- Nós usámos sempre preservativo, lembras-te? - diz ela, deixando de chorar e assoando o nariz com os guardanapos da mesa.
- Então?
- Creio que foi depois, Andrés.
- Com quem estiveste durante este tempo?
- Esse é o problema - Angélica continua a falar num tom de voz muito baixo, quase em segredo.- Quando acabámos a nossa relação senti que ia morrer, não queria fazer nada, nem sequer levantar-me da cama. Mas depois odiei-te, senti que me tinhas ferido injustamente.
- Não foi isso, Angélica.
- Eu sei, eu sei, mas foi o que senti nessa altura. Quis vingar-me. Então comecei a ir para a cama com um e com outro. Ia a todas as festas e acabava na cama com o primeiro que mo propusesse. Como estava a tomar anticoncepcionais era-me indiferente que o tipo usasse preservativo ou não. A maior parte das vezes estava bêbada ou drogada. Cheguei a estar com dois ou três homens no mesmo dia.
Andrés suspira sem dizer nada. Ela conclui:
- Fui também para a cama com vários estrangeiros. Julgo que foi um deles que me contagiou.
Soam os sinos da igreja. Andrés ouve aquele ruído metálico atravessar o ar invernoso da tarde e sente, num instante revelador, que é novamente dono de si próprio, que chegou finalmente à realidade.


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O padre Ernesto, que esteve a rezar cerca de meia hora, levanta-se, benze-se e abre a porta do quarto para se dirigir ao escritório da casa sacerdotal. Irene, a jovem encarregada da limpeza e da cozinha, diz-lhe no corredor:
- A dona Esther já está à sua espera no escritório.
- Obrigado, Irene - responde o padre, apressando o passo e, por alguns instantes, os seus olhos detêm-se no corpo esbelto e voluptuoso da jovem.
Efectivamente, na salinha que faz as vezes de escritório, está uma mulher volumosa, de uns quarenta anos, vestida de preto e com os olhos injectados de sangue. Levanta-se para o cumprimentar.
- Boa tarde, padre.
- Boa tarde, filha, senta-te.
O sacerdote instala-se numa confortável poltrona diante dela, abre os braços e diz numa voz afectuosa e amigável:
- Bom, diz-me em que te posso ajudar.
A voz da mulher é apagada, ténue, muito fraca, revelando uma enorme fadiga e longas noites de insónia.
(...)
- Estou desesperada, padre, já não aguento mais.
- O que se passa?
Ela abre a carteira, tira um lenço creme e limpa as lágrimas.
- Aviso-o de que não quero que ninguém fique a saber disto, padre, não quero um escândalo, nem que a minha casa se transforme num foco de bisbilhotices e mexericos.
- O que me contares não sairá destas quatro paredes.
- Não quero andar por aí nas bocas do mundo.
- Bem, que se passa?
- Comigo nada, padre, é com a minha filha.
- Quantos anos tem ela?
- Acabou de fazer quinze. É uma beleza.
- Tem irmãos?
- Não, padre, é filha única.
- Tem uma boa relação convosco?
- Vivemos as duas sozinhas, padre. O senhor sabe como são os homens, vão semeando filhos e depois abandonam-nos sem que ninguém os condene.
- É uma rapariga ajuizada, sossegada?
- É um anjo, padre, se o senhor a visse... As freiras do colégio não se cansam de a elogiar.
- Então qual é o problema?
A expressão da cara da mulher transforma-se, ela abre os olhos, cora, franze a testa de uma maneira quase cómica, burlesca, e diz:
- As vozes, padre, as vozes...
- Que vozes?
- A minha menina está possuída por vozes que falam de coisas horríveis.
- Como?
- Pessoas malignas, espíritos do mal, padre, que falam através dos lábios da minha menina.
- Não a compreendo - diz o sacerdote, franzindo o sobrolho.
- É quase sempre à noite, quando se vai deitar. As pessoas entram dentro dela e começam a dizer obscenidades, a insultar, a prever factos terríveis.
- A senhora está a dizer-me que a sua filha está possessa?
- Por demónios, padre, por espíritos que vêm do inferno.
- Como é possível?- pergunta o padre Ernesto, agitando os braços e a cabeça negativamente.
- Sim, padre, tem de a ver com os seus próprios olhos.
- Já não existem possessões neste século, senhora. Tem de a levar a um hospital para que lhe façam exames neurológicos e psiquiátricos.


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Chegam diante de uma casa colonial localizada no centro de uma ruela mal iluminada. Uma trepadeira cobre uma grande parte da fachada principal.
- É aqui - diz a mulher, metendo uma chave na fechadura de uma porta de madeira.
Assim que atravessa o umbral, o padre Ernesto sente o aroma delicioso de um conjunto de flores vistosas que brilham com a pouca luz que chega até ao jardim interior da residência. A seguir descobre o cheiro exalado pelas paredes, pelos tectos e pela madeira das portas e dos móveis que decoram o local. Reconhece esse odor porque é o mesmo que se respira em mosteiros e conventos, em museus, nas câmaras municipais rurais, nas velhas herdades esquecidas e em certos recantos da sua própria igreja quando desaparece o efeito dos detergentes e dos desinfectantes. Finalmente, quando vai subido as escadas que levam ao primeiro andar, o seu olfacto regista um cheiro nauseabundo e desagradável: o cheiro das canalizações subterrâneas, o das águas negras que viajam pelos esgotos interiores da cidade, um cheiro a fedores corporais acumulados, urina, excrementos, vómitos, sémen e fluxos menstruais. São tão intensas aquelas emanações que vêm de cima que o padre Ernesto sente um ardor no interior dos olhos. E é nesse momento que tem um pressentimento, um palpite, a suspeita de que uma presença anormal está com eles dentro de casa.
(...)
Dona Esther pára diante da porta de um dos quartos do primeiro andar, respira profundamente e diz:
- Vou deixá-lo sozinho com ela, padre. A esta hora já está deitada.
(...)
Ela volta-se e desce as escadas sem olhar para trás. O padre Ernesto abre a porta e respira um ar pestilento, húmido, como se estivesse a entrar de repente num buraco de imundícies, numa cloaca imunda ou num dos mais sujos recantos do inferno. Sente vontade de vomitar mas consegue controlar o seu corpo pouco a pouco, inspirando devagar com a boca semiaberta, descontraindo o corpo, acostumando-se às rajadas fétidas e pestilentas. Fecha a porta e senta-se na única cadeira que há no quarto. Na cama, deitada de barriga para cima, está a rapariga com uma camisa da noite branca que a cobre até aos tornozelos.
(...)
- Agrado-lhe, padre? - diz de repente uma voz aflautada, felina, e a jovem ergue as pálpebras deixando a nu uns cintilantes olhos azuis.
- A tua mãe quer que conversemos.
- Não respondeu à minha pergunta.
- És muito bonita - garante o padre com calma, sem grande convicção, tirando importância ao que está a dizer.
- Deseja-me?
- Não vim ofender-te, filha.
- Sei que lhe agrado, padre, que quer tocar-me, acariciar-me.
- Estás enganada.
- Aproveite padre, toque-me onde quiser.
- Não me insultes dessa forma. Lembra-te que sou um sacerdote.
Ela sorri com uma careta perversa e a voz que o padre Ernesto ouve a seguir é grossa, varonil, como se um homem adulto tivesse acabado de entrar no quarto e estivesse também na cama, junto dela.
- Qual sacerdote qual carapuça, cão lascivo, verme asqueroso.
Um arrepio percorre as costas do padre Ernesto de cima a baixo.
- Pensas que não sei quem és? Achas que me vais enganar com os teus sermões piedosos? Olha o que vou fazer para ti, porco.
A rapariga levanta a camisa da noite até ao umbigo, mete a mão numas cuecas pequenas e insinuantes e acaricia o sexo com os dedos da mão direita.
- Preciso de um homem, padre - a voz torna a ser a de uma jovenzinha delicada.
- Já chega - diz o sacerdote com a voz agitada.
Ela tira a mão e explode numa gargalhada grotesca.
- Eu sei quem és, porco - continua a dizer a mesma voz.
- Não sei de que estás a falar - afirma o sacerdote transtornado, enjoado, com o estômago agitado.
- O pedacito de carne que tens entre as pernas dá-te trabalho, hã?
- Cala-te!
- Por aí ofendes a tua fá, hã?... Cabrãozinho libidinoso...
(...)
A voz grossa volta a surgir e termina dizendo:
- Filho da puta, criminoso, és um cachorro cheio de pecados.
O padre Ernesto não aguenta mais, levanta-se e, com um salto, chega até à porta, abre-a e sai do quarto com falta de ar, chorando. O pior é que, ao fechar a porta, repara numa forte erecção que lhe levanta as calças e que as avoluma de uma forma vergonhosa, contra a sua vontade.



(Mario Mendoza- Ibidem. Fotografias de William Ropp)


Com este post concluo a apresentação de Satanás. Espero que tenham gostado e que as minhas escolhas tenham sido suficientemente significativas para vos atrair para a leitura integral da obra. Um abraço a todos :)

terça-feira, agosto 29, 2006

Satanás

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Trago-vos, hoje, um livro muito especial para mim. Um livro que teve um grande impacto sobre o meu espírito. Um livro que me permitiu reflectir bastante. Um livro que me levou a (re)olhar para o mundo, não por aquilo que eu desconhecesse existir, mas atendendo à(s) forma(s) como a(s) realidade(s) poderia(m) ser entendida(s) e explicada(s). Falo-vos de Satanás, romance da autoria do colombiano Mario Mendoza (n. 1964, Bogotá), com edição da responsabilidade da Temas e Debates. Um livro que inaugura a colecção "Radiografias", cujo objectivo é divulgar obras que, através da ficção, apresentem os grandes problemas da sociedade contemporânea.

Tendo como cenário a cidade de Bogotá (capital da Colombia), Satanás debruça-se sobre a presença do Bem e do Mal na passagem dos dias, que nada mais é do que a sua concretização na passagem dos tempos e, directamente, na vida dos indivíduos. Nesta dupla vertente, o Mal impõe-se de forma brutal, engolindo tudo e todos, mesmo quando parece haver algum raio de esperança ou o acreditar que o melhor é possível. Uma existência/presença que envolve... que vai envolvendo até ao sufocar e carcomir dos seres humanos. Uma presença (que é "a" presença) que transtorna psiquicamente, que manipula, que vira do avesso, que desracionaliza na senda constante do enegrecimento individual e paralela/consequentemente colectivo.
Ao longo da estória, que se pode desdobrar em várias estórias confluentes para um final comum, temos um olhar sobre quatro personagens (principais): Maria, Andrés, padre Ernesto e Campo Elias.

Convém referir que Campo Elias (46 anos, na altura), um antigo colega de faculdade do autor (22/23 anos, tb na altura), foi o móbil para a elaboração desta obra. E quem foi? Um indivíduo que a 4 de Dezembro de 1986, assassinou 29 pessoas em vários pontos de Bogotá. O que aconteceu marcou profundamente Mendoza, sendo que durante vários anos amadureceu a ideia de construção de um romance, o qual, só viria a ser concluído já neste novo século.
Satanás foi galardoado com o Prémio Biblioteca Breve 2002.

Os excertos que se seguem procuram, pois, dar a ideia global do grande tema ou da grande preocupação subjacentes ao livro através, sobretudo, de reflexões desenvolvidas. Aqueles que editarei, amanhã, incidirão sobre situações concretas onde o tal Mal está presente quer através de vontades, quer através de práticas, ou seja, em contextos envolventes aos indivíduos ou já no seu interior, conduzindo-os irremediavelmente.

Reforçando o que já disse: o livro é extremamente forte, vertiginoso, hipersensorial. Violento. É devorável. Aconselho vivamente a sua leitura integral. Acreditem: absolutamente a não perder!


DIÁRIO DE UM FUTURO ASSASSINO

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20 DE OUTUBRO: Esta manhã, a minha aluna particular de Inglês surpreendeu-me com um comentário engenhoso. É uma jovem de catorze anos. Estou a ensinar-lhe o idioma recorrendo ao romance de Robert Louis Stevenson, O Estranho Caso do Doutor Jekill e Mister Hyde. Com o livro nos joelhos disse-me:
- O senhor gosta muito deste livro.
- Sim - reconheci.
- Não mo deu para ler apenas para me ensinar inglês, não é verdade?
- Não entendo.
- Há mais qualquer coisa. - Sorri para comigo. Ela continuou: - A história de Jekill é a de qualquer homem.
- Achas?
- A sua, a minha, a de qualquer pessoa.
- Como?
- Somos anjos e demónios ao mesmo tempo. Não somos uma única pessoa, mas uma contradição, uma complexidade de forças que lutam dentro de nós.
- Talvez sim.
- Somos cobardes e heróis, santos e pecadores, bons e maus. Tudo depende dessa luta, não acha?
- Sim, se calhar - disse, espantado por ouvir uma opinião tão inteligente numa rapariga daquela idade.
- Eu acho. O bem e o mal não existem separados, cada um por seu lado, mas unidos, colados. E às vezes confundem-se.


CÍRCULOS INFERNAIS

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Sentado no escritório à mesa de trabalho, o padre Ernesto folheia os recortes de imprensa que guarda numa pasta de estudante, arquivados durante anos numa sequência maldita e nefasta que cobre o último decénio. Trata-se de uma série de artigos, de pequenas notas de jornal ou de fotografias que lhe chamaram a atenção e que mostram a decomposição gradual do mundo. Com a mão direita levanta uma das folhas e detém-se na fotografia de um rapaz de uns dezassete anos que olha para a máquina com uma cara de miúdo assustado enquanto três polícias altos e corpulentos tentam algemá-lo. A legenda da fotografia diz: "Três revólveres, cinco caixas de munições, um lança-foguetes e sete obuses de morteiro foram encontrados na casa de César Padilha, um estudante do sexto ano do secundário. Face às perguntas dos investigadores, o jovem Padilha afirmou: "Só queria estar preparado para qualquer eventualidade."
(...)
O padre Ernesto passou mais algumas páginas e detém-se na fotografia de uma rapariga loura de dezoito ou dezanove anos que é levada com os pulsos algemados por uma patrulha da Polícia. O rosto da jovem está calmo, repousado, em paz. Ao lado da fotografia, a redacção do jornal explica: "A adolescente Carmen Romero manteve os pais amarrados e a pão e água durante catorze dias na cave da casa onde viviam os três. No último minuto, quando ouviu a chegada de vários agentes da Polícia, Carmen estrangulou os progenitores com as próprias mãos. Os cadáveres mostravam contusões, queimaduras e fracturas quer nas extremidades superiores quer nas inferiores, o que comprova que o casal foi brutalmente torturado pela sua própria filha no decurso das duas semanas de detenção. Ao ouvir um dos polícias, impressionado com a cena, comentar "isto é uma loucura", Carmen Romero rompeu o silêncio e afirmou: "Loucos eram eles, não eu. O meu pai começou a violar-me desde criança com a cumplicidade da minha mãe, que o permitiu sem dizer nada. Muitas vezes ele sujeitou-me à força de pancada e de pontapés e ela nunca me protegeu, nunca impediu as agressões. Eles sofreram duas semanas. Eu sofri por mais de dez anos."
Noutro recorte, em letras de imprensa, aparece a seguinte notícia: "A enfermeira Conchita Rubio foi detida no lar de terceira idade El Abuelo Feliz por ter envenenado mais de catorze idosos. Ao ser interrogada por este jornal, a enfermeira defendeu-se argumentando que o fizera por compaixão, comovida pela triste situação dos pacientes. "A maior parte deles passa o tempo a chorar, sentindo saudades dos filhos e dos netos. Achei que a morte era uma saída decente para eles", disse a senhora Rubio."
Na última folha o sacerdote reconhece a sua própria letra. É uma citação de Louis J. Halle copiada à mão com o pulso trémulo: "Prevejo a extensão de uma desordem contínua, com o seu cortejo de desumanidade e a sua tendência para uma bestialidade crescente. Prevejo a barbárie."
O padre Ernesto aproxima-se da biblioteca e tira dois livros de uma das estantes: El enigma de las brujas, de Frei Leopoldo Santos e Las huestes de Satán, de Ezequiel Bautista. Leva-os até à secretária e procura no primeiro os processos de feitiçaria correspondentes à zona de Carcassonne, Toulouse, entre 1330 e 1340. Se bem se recorda o sacerdote, várias das feiticeiras capturadas expõem ali nas suas declarações o triunfo certo de Satanás e o seu reinado definitivo sobre o planeta. Com efeito, no capítulo IV, Frei Leopoldo Santos transcreve páginas inteiras dos documentos originais. Examinando as linhas com uma atenção exagerada, o padre Ernesto encontra finalmente um dos parágrafos desejados:

Ana Maria de Georgel manifestou em seguida que, durante o longo decurso dos anos passados desde a sua possessão até ao seu encarceramento, nunca deixou de praticar o mal e de se entregar a práticas abomináveis, sem que o temor a Nosso Senhor a detivesse. Assim, cozia caldeirões, sobre um fogo maldito, ervas envenenadas, substâncias extraídas quer dos animais, quer de corpos humanos que, numa horrível profanação, ia arrancar ao repouso da terra santa dos cemitérios, para se servir deles nos seus feitiços; vadiava durante a noite em volta das forcas patibulares, quer fosse para tirar tiras das vestes dos enforcados, quer fosse para roubar a corda onde estavam pendurados, quer para se apoderar dos seus cabelos, unhas ou gordura.
Interrogada acerca do símbolo dos Apóstolos e acerca da crença que os fiéis devem à nossa Santa Religião, respondeu, como verdadeira filha de Satanás, que existia uma completa igualdade entre Deus e o Diabo, que o primeiro era rei do Céu e o segundo da Terra; que todas as almas que este acabava por seduzir estavam perdidas para o Altíssimo e que viviam eternamente na Terra, passando de um corpo para outro através dos séculos, danificando, maltratando, corrompendo e fazendo sofrer as outras almas atormentadas. Ao perguntarem onde ficava, nesse caso, o Inferno, a bruxa respondeu que a Terra e o Inferno eram uma e a mesma coisa, local de padecimento e de dor, recanto de desdita, paragem de infortúnio, recinto de desgraça e miséria.


O padre Ernesto sente as frases como navalhas, como vidros cortantes que lhe abrem o pensamento. As palavras da mulher ajustam-se na perfeição às sensações que o vêm invadindo há semanas e que o impedem de viver com tranquilidade e de desempenhar satisfatoriamente as suas funções de sacerdote. O triunfo do mal. Porque não? Não bastava uma caminhada pela cidade para nos darmos conta de que estamos a deambular entre círculos infernais? Não eram os rostos dos mendigos, dos loucos, dos solitários, dos prisioneiros, dos suicidas, dos assassinos, dos terroristas, dos esfomeados, testemunhos claros do reino das sombras? Recinto de desgraça e de miséria. Sim, era assim, sem dúvida.
(...)
Dirige-se para o centro da cidade com a cabeça a transbordar de ideias, pensativo, sem se aperceber das pessoas e dos carros que se misturam à sua volta numa desordem inexplicável. O triunfo do mal. Porque não? A destruição do planeta, o capitalismo selvagem, a xenofobia acelerada... Mesmo pensando nos próprios dignitários da Igreja que tentaram extirpar os sabat e os vínculos demoníacos de uma sociedade sufocada e em crise permanente, a hipótese de uma maldade crescente confirmava-se. Porque a Inquisição e o Santo Ofício o que foram, senão organizações criminosas e assassinas? Potros de tortura, ferragens, cordas, facas e máquinas abomináveis eram as provas irrefutáveis de uma Igreja doente e delirante que continuava a promover e acrueldade e a violência no interesse de uma moralidade inexistente. Uma Igreja cuja misoginia saltava à vista quando decretava que "por um homem, dez mil mulheres", referindo-se ao facto de, por cada varão que tiveram de sacrificar ou torturar, assassinariam ou maltratariam dez mil mulheres. Porquê? Porque elas representavam a luxúria e a concuspiscência, eram elas que procuravam o sexo e a satisfação do corpo a todo o custo. A velha história do punhado de celibatários que têm pânico do clítoris e sonham extirpá-lo e fazê-lo desaparecer. Não havia dois bandos opostos, os bons e os maus, mas um grupo apenas cerrando fileiras em redor do ódio, da sevícia e da monstruosidade. O triunfo total e pleno da maldade. Não era uma suposição tão absurda.

(Mário Mendoza- Satanás. Edição: Temas e Debates, 2005. Fotografias de William Ropp)

segunda-feira, agosto 28, 2006

o poder das palavras

Havia-me dito que era uma pessoa quase sempre difícil de aturar. Sendo o quase uma forma de minimizar os seus defeitos; o sempre condenava-lhe as suas qualidades.

Publicado por Fernando Esteves Pinto - AQUI

Hamlet - Teatro Tapafuros


... a Fundação Cultursintra apresenta...
HAMLET

de William Shakespeare
encenação Rui Mário
música original Pedro Hilário

pelo Teatro TapaFuros
de 6 de Julho a 9 de Setembro
Quinta a Sábado: 22h Domingo: 20h

Quinta da Regaleira – Sintra
reservas - 219 106 650; 707 234 234
bilhetes à venda
Quinta Regaleira
Fnac
Lojas Viagens Abreu
«Num tabuleiro joga-se mais uma partida. Da vida? Da morte? As peças movem-se, constante movimento que para algum lugar vai, só não sabemos onde... A verdade de fazermos parte de um banquete, só não sabemos qual a parte...O príncipe amaldiçoa o momento em que sabe que nasceu para endireitar as coisas. Coragem? Destino? O jogo apenas se iniciou, o tabuleiro tem o tamanho do mundo, pequena peça do tamanho da vida. Joga-se. O resultado é invariável: volta-se ao jogo, uma e outra vez.Hamlet é o teatro que encenamos debaixo do céu, há séculos e séculos. Mais uma vez, mais um eterno jogo que jamais terminará. Convidamos pois o nosso público a juntar-se à partida, sendo peça, mais uma, para podermos jogar pela noite fora... Somos peça nesta noite sintrense, única no mundo, irrepetível em sonhos, em perguntas, em mistério. Somos ou não somos? Eis a questão. Sem xeque-mate.»
Rui Mário

domingo, agosto 27, 2006

"... o amor é um verbo impossível de conjugar, dado que o pretérito não é perfeito, o presente pouco indicativo e o futuro condicional."

António Lobo Antunes, Visão, 04/08/2005

sábado, agosto 26, 2006

Vincent Gallo

Não há muito a dizer quando falamos de Vincent Gallo. Talvez "apenas" GENIAL... na música, no cinema, na fotografia, na pintura...
É um verdadeiro herdeiro do espírito renascentista, um Homem dos mil talentos.
E ainda por cima é bom... artista.
Aqui fica a resposta à provocação, Querida Moderadora.

sexta-feira, agosto 25, 2006

Um aviso...

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Avançamos todos os dias mais um passo na direcção do inferno, sem horror, através de trevas infames.
(Charles Baudelaire)


Aquele a quem a Bíblia chama Satanás,
quer dizer, o Adversário.
(Emmanuel Varrère)


O meu nome é Legião
Porque somos muitos.
(Marcos: 5,9)


Vim até aqui para vos desejar um bom fim-de-semana e para avisar que Ele está quase a chegar. Que Ele já vem muito perto. Ou falando desde já a verdade, que Ele (já) está entre nós. E está com um enraizamento muito grande. E, pelo que se vê e se sente, é para durar...

Mas se tiverem a coragem suficiente para
O confrontarem sem disfarces, venham até aqui na Terça-feira. Ele estará de cara descoberta para vos receber.

Até lá!


(Fotografia de William Ropp)

quinta-feira, agosto 24, 2006

Sugestão - Festival Medieval Islâmico/Cristão

«A cidade de Santarém vai 'mergulhar na História' com a primeira edição do Festival Medieval Islâmico - Cristão, nos dias 1, 2 e 3 de Setembro, desde as 11 da manhã até noite dentro. Com o Centro Histórico, como pano de fundo, centenas de actores e figurantes, vestidos a rigor vão fazer as delícias de miúdos e graúdos. No Largo do Seminário, Largo Padre Francisco Nunes da Silva (Padre Chiquito) e Praça II Visconde Serra do Pilar terão lugar espectáculos de teatro, concertos de música, bancas de comércio, tendas de chás e armas, venda de artesanato e exposições, entre outras. Não faltarão também os almocreves, malabaristas, bailarinas, cuspidores de fogo, mendigos e até bruxas e videntes.»
Ver programa AQUI

quarta-feira, agosto 23, 2006

Buddha-bar Nature

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No âmbito das compilações musicais que vai somando, uma, que faz a diferença: buddha-bar Nature. Faz a diferença na medida em que, para além das músicas e das canções que nos transportam para uma dimensão diferente daquela onde nos encontramos ou... pelo menos, para um espaço e talvez tempos diferentes, agrega um dvd com imagems belíssimas. Imagens do mundo natural e animal, ambos com riscos sérios causados pela intervenção do Homem. Aliás, a compilação (música + imagem) concebida e organizada por Allain Bougrain Dubourg e Arno Elias objectiva chamar a atenção para esta mesma problemática: a Natureza em perigo e, nesta, para um mundo animal com espécies em vias de extinção.
Um trabalho com uma qualidade muito particular. Um trabalho que proporciona o visualizar de realidades belíssimas e a audição de sonoridades que permitem uma evasão que se passa a tornar necessária (ou mesmo urgente).

Quanto às músicas e canções:

01- Pandora
02- El Corazon
03- The Dance of the Flames
04- Deep Believe
05- Guide Me
06- Osmyo
07- Walking Man
08- La Forêt Inconnue
09- Alanis Sunrise
10- Star of Hirma
11- Epic and Dream
12- New Day

Quanto à mensagem do dvd:

A living species is never eternal. Mankind no more so than dinosaurs, who nevertheless managed to survive 140 million years before becoming extinct. But today things are accelerating. Ever since we went out conquering the continents, just 5 centuries ago, animals have been disappearing at a rate never seen before...


Desfrutem o mais profundamente que conseguirem. E reflictam...

terça-feira, agosto 22, 2006

A boda mexicana

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México do século XIX e até finais do século XX. México essencialmente rural, mas também urbano. México onde 4 gerações de mulheres permitem ter presente os principais traços de cada uma no âmbito, também, daquela que pode ser a relação estabelecida com a sociedade do seu tempo: Maria, Loreto, Maria Dolores e Esperanza, esta última que nos surge simultaneamente como a narradora que recorda. Que recorda a partir do dia do seu casamento. Que recorda, percorrendo um fio de tempo pesadamente doloroso em particular para a sua mãe, Maria Dolores. Mas um fio de tempo que, da mesma forma reforça, em crescendo, a referência das mulheres (de três mulheres em particular) na sua vida. Pelo que a sociedade lhes permitiu ser, pelo que elas tiveram ou não coragem de ser, pelo que transmitiram e deixaram de herança às suas descendentes, dentro daquelas que foram as suas possibilidades... ou impossibilidades.

A boda mexicana de Sandra Sabanero (n. 1954, México) é um romance que nos mostra, pois, um tipo de sociedade fortemente patriarcal que, aprofundada ao nível do que isso implica de pior, nos faz sentir absolutamente incomodados (e aqui sublinho, falando principalmente por mim: absolutamente incomodada) naquilo que pode mostrar no que concerne ao nível das relações entre casais e no papel atribuído à Mulher, sobretudo, à mulher rural do século XIX e grande parte do século XX. A problemática da violência física e psicológica é muitíssimo bem destacada naquele que se pode caracterizar como um tratamento com emotividade contida, pela sobriedade e inteligência na transmissão das mensagens. E paralelamente a essa violência... e paralelamente, também, ao cenário da impotência e da resignação, a possibilidade da mudança. A esperança em como isso pode acontecer. A esperança personificada em Esperanza. O grito para o futuro. As saudades e o desejo ardente do que poderá ser.

Estamos, indiscutivelmente, perante uma obra emblemática. Uma obra da qual vale a pena deixar aqui uma pequena ideia, através da apresentação de dois excertos:

Excerto 1:

Fez-se um longo silêncio. Recostei-me na cama e continuei a observar as fotografias. Enquanto via aqueles retratos envelhecidos, pensava no que provocara o fracasso do casamento dos meus pais.
- Como foi a sua lua-de-mel, mãe?
Ao evocar essas recordações, a minha mãe corou e tentou fugir ao meu olhar, como se temesse que eu as adivinhasse. Levantou-se e começou a folhear um livro de orações. Uma gardénia seca escorregou de entre as suas páginas, enquanto uma ténue fragrância dos anos passados invadia o ambiente.


A pé, e carregando a volumosa bagagem de María Dolores, puseram-se a caminho da estação de caminho-de-ferro. Partiram rumo a Comanja no comboio das onze da noite, muito juntos, de mão dada e rindo como duas crianças. Ela começou por fazer-lhe perguntas de pouca relevância, só para evitar o silêncio, que a assustava, mas instantes depois ficaram calados. (...) Dentro de poucas horas chegariam ao seu destino. Interrogou-se sobre o que se passaria então e como deveria comportar-se. (...)
A mente do noivo ia ocupada com a mesma questão, pois toda a sua paixão e pensamentos se concentravam em María Dolores. Depois de tantos anos de espera, em que se conformara com carícias furtivas e inocentes, poderia, por fim, gozar, dia a dia, e a cada instante, aquele amor e aquela paixão enormes, que com dificuldade conseguia conter. Era capaz de qualquer proeza para desfrutar do amor.
Na primeira noite, Francisco teve de fazer um esforço para reprimir o riso, ao vê-la metida naquela camisa de noite de avozinha, que a cobria do pescoço à ponta dos pés. Graças à sua grande experiência com mulheres, percebeu que necessitaria de muita paciência para vencer a timidez de María Dolores que, a tremer como gelatina, se metera debaixo dos lençóis, deixando apenas a descoberto o rosto e as mãos. Francisco deitou-se a seu lado com suavidade. Aqueles olhos enormes e assustados provocaram-lhe uma enorme excitação. Com os dedos, desenhou o contorno dos seus carnudos lábios virginais, beijou-lhe ternamente os cabelos sedosos, as faces e a boca, deslizando devagar até ao pescoço. Agarrou-lhe nas mãos, frias e húmidas, e entrelaçou-as nas suas. Passados uns momentos, deslizou as mãos por debaixo do lençol e, através do tecido grosso da camisa de noite, sentiu aquele corpo de formas escassas e delicadas. Segredou-lhe ao ouvido frases ternas, que nunca pronunciara. Contudo, apesar da sabedoria das suas carícias, o corpo assustado e passivo de María Dolores não reagiu.
Aquela frieza cortou-lhe momentaneamente o desejo, mas, sem desanimar, abordou-a da mesma forma nas noites seguintes. Porém, o resultado foi sempre o mesmo. Ao quarto dia, incapaz de esperar mais, arrancou-lhe a camisa de noite à força e pôde, por fim, tocar na sua pele suave como a seda e branca como as nuvens. Pressionado pela paixão que o consumia, introduziu-se naquela estátua dura e fria como porcelana, possuiu-a com movimentos rápidos e selvagens, que a ele produziram insatisfação e a ela dor e vergonha.
María Dolores nunca imaginara que no casamento tivesse que acontecer uma coisa assim. Agora sabia que aquilo fazia parte dos seus deveres de mulher casada. (...)
A sua mente atormentava-se com imagens angustiantes e os seus pensamentos não davam trégua àquelas severas reflexões. A proximidade do esposo inspirava-lhe um desejo insuportável de se refugiar no seu peito, aspirar o seu cheiro a limão e suor, contemplar e acariciar todo aquele corpo firme que também lhe pertencia, mas, ao mesmo tempo, aquela necessidade fazia-a sentir uma vergonha imensa. Tais pensamentos iam contra os seus princípios morais que, no entanto, também não lhe indicavam que caminho seguir. Quando perguntou à bisavó como deveria comportar-se enquanto mulher casada, ela respondeu-lhe:
- Deves obedecer ao teu esposo e servi-lo. Nada de andar na conversa de casa em casa nem pelas ruas. E, acima de tudo, deves ser sempre uma mulher honesta, trabalhadora e recatada.
O que significava ser recatada e decente? Para a minha bisavó, os limites entre a decência e a indecência eram muito vagos.
- No mundo existem dois tipos de mulheres: as que vivem para o lar, obedecem ao marido, têm os filhos que Deus achar por bem mandar-lhes e tratam bem deles, e as "mulheres da rua", que se exibem descaradamente para provocar os maus instintos e fazer todo o tipo de porcarias com os homens só por dinheiro. São mulheres que não temem a Deus.
Nessa definição de mulher não estavam incluídas as palavras "desejo" e "prazer". Por isso, o facto de os sentir provocava-lhe uma vergonha e um sentimento de culpa avassaladores. (...)
Quando Francisco a possuiu pela segunda vez, María Dolores sentiu, por uns instantes, que a sua pele se eriçava, que os seus seios endureciam e que o sangue lhe corria nas veia com ardor, invadida por uma excitação desconhecida que a fez agonizar de prazer; mas, de imediato, sentiu asco, ao escutar a respiração ofegante de Francisco, semelhante à de um animal. "Isto é sujo! É um pecado!", pensou. Quis escapar, sair a correr do quarto, mas o corpo dele esmagava-a. O marido continuava a suspirar e a deslizar os lábios pelos seus seios diminutos. Com um movimento brusco da mão empurrou-lhe a cara. Ele ergueu o olhar e o que viu nos olhos da mulher penetrou como um relâmpago pela sua mente entorpecida, fazendo-o saltar da cama. Aproveitando aquele momento, María Dolores fugiu para a casa de banho. Encheu a bacia de água fria e mergulhou a cara, como se desejasse apagar as marcas daquele instante vergonhoso. Pouco depois regressou à cama, com o corpo escondido por uma bata e, sem pronunciar palavra, deitou-se, de rosto virado para a parede.

Excerto 2:

No dia seguinte, Francisco despertou de excelente humor e tomou banho assobiando Luna de octubre. Aspirou o odor a sumo de laranja e chilaquiles picantes. Sorridente, entrou na cozinha, saboreando de antemão o almoço, e quis beijá-la, mas ela esquivou-se.
- O que se passa agora? - perguntou, enquanto se sentava e começava a comer uma tortilha. Parecia não se lembrar do que ocorrera na noite anterior.
Em contrapartida, María Dolores, pálida e séria, deu rédea solta à dor e à frustração, que se transformaram em palavras críticas:
- Embebedas-te, chegas de madrugada, insultas-me, trazes manchas de batom na camisa, bates-me e ainda tens o cinismo de me perguntar o que se passa - disse com voz dorida e depois começou a chorar com desespero.
- O quê? Estou a ver que bebi de mais, não me lembro de nada. Tu és a rainha da minha vida, a minha esposa legítima. Como é que eu podia fazer-te uma coisa dessas? Vá, deixa de chorar e vem comer. Esquece isso, por favor - disse beijando-lhe o cabelo.
Ao princípio continuou receosa e repetiu as queixas, mas depois de mais algumas palavras meigas agarrou-se-lhe ao peito e a reconciliação não se fez esperar. Infelizmente, aquele tipo de situação passou a repetir-se com frequência, e com o passar do tempo, María Dolores acabou por se resignar a viver em silêncio o seu mundo secreto de dor e frustração.
Nos primeiros tempos tinha vergonha de admitir os seus problemas conjugais perante a família do marido, mas as marcas das pancadas no rosto denunciavam-nos. Acabou por lhes contar a verdade.
Ao escutar as queixas, o meu avô Francisco olhou-a com frieza.
- Ah! - exclamou, e em seguida acrescentou: - Se não está bem, volte para casa, que mulheres é coisa que não falta neste mundo.
Aquelas palavras desdenhosas, reforçadas pelo tom glacial em que foram ditas, fizeram-na estremecer e tomar a decisão de não voltar a queixar-se.
Desesperada, procurou a ajuda e os conselhos do pai, mas também não teve sucesso. O pai escutou-a com atenção e quando ela concluiu o relato encolheu os ombros e semicerrou os olhos.
- As coisas nem sempre são o que nós queremos - comentou. É assim a vontade de Deus. Quem podia adivinhar uma coisa dessas! Parecia um bom rapaz, mas sendo filho de Dom Francisco, o que se havia de esperar? Quem sai aos seus não degenera... Bem dizia a comadre Fina que essa gente não prestava. Mas nós, acreditando na boa-fé do teu marido, com o coração nas mãos, abrimos-lhe a porta de casa. Agora só te resta aguentar e fazer os possíveis por não o aborrecer. Molda-te a ele e obedece-lhe. Tenta conquistá-lo de algum modo! Lembra-te de que o casamento é uma cruz, e é nossa obrigação carregá-la - concluiu.

- Que terei feito para pagar tão caro? - perguntou-me a minha mãe.
Permaneci em silêncio. Não tinha resposta. Observei-a cuidadosamente e descobri-lhe no rosto as marcas de uma vida cheia de dor. A sua tez de porcelana de outros tempos assemelhavam-se agora a marfim envelhecido, os seus olhos tinham perdido o brilho e as suas mãos estavam cobertas por uma apertada rede de rugas. A sua cintura esbelta deformara-se com o passar dos anos e na sequência das inúmeras gravidezes e abortos. Não havia quase nenhuma parte do seu corpo por estragar. Apesar disso, ainda conservava um certo ar de elegância discreta, oculta pela máscara da velhice.
Tentei evitar que as suas recordações amargas me contagiassem, mas ao agarrar aquele lenço da minha mãe, onde estavam embrulhados o terço e o livro de orações da minha avó Loreto, foi impossível. Aquele lenço, testemunho mudo de uma longa existência de lágrimas, risos, dissabores e impulsos reprimidos, estava impregnado das nossas vidas e era de uma familiaridade sufocante, como o próprio odor do meu corpo. A nostalgia abateu-se sobre mim em torrentes, provocando-me uma tristeza indescritível, que não consegui deter.


(Sandra Sabanero- A boda mexicana. Edição: Difel, 2005)


Sublinho: estes excertos apenas dão uma pálida imagem do que está em jogo. Assim sendo, e depois de tudo o que referi e apresentei, uma obra que recomendo absolutamente.

Até muito breve!

segunda-feira, agosto 21, 2006

História de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a voar (Partilha Literária)




“Protegemos-te desde que saíste da casca. Demos-te todo o nosso carinho sem nunca pensarmos em fazer de ti um gato. Queremos-te gaivota. Sentimos que também gostas de nós, que somos teus amigos, a tua família, e é bom que saibas que contigo aprendemos uma coisa que nos enche de orgulho: aprendemos a apreciar, a respeitar e a gostar de um ser diferente. É muito fácil aceitar e gostar dos que são iguais a nós, mas fazê-lo com alguém diferente é muito difícil, e tu ajudaste-nos a consegui-lo. És uma gaivota e tens de seguir o teu destino de gaivota. Tens de voar.”

in
“História de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a voar” de Luís Sepúlveda [Edições Asa]

Nesta partilha literária começo por fazer uma confissão: adoro fábulas! É por isso que decidi partilhar convosco mais um livro em que as personagens principais são um gato e uma gaivota.
No livro “História de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a voar”, Luís Sepúlveda conta o encontro de Zorbas, um grande e gordo gato preto que passa os dias a apanhar sol, com uma gaivota moribunda, que se perde depois de ter sido apanhada por uma maré negra e acaba por fazer da varanda de Zorbas o seu último destino. Porém, antes de morrer, põe um ovo e convence Zorbas a fazer três promessas: não comer o ovo, cuidar do ovo até que nasça a gaivota, e ensinar a gaivota a voar. Zorbas, com a ajuda dos seus amigos gatos, consegue cumprir as duas primeiras promessas. Mas, será que conseguirá ensinar a gaivota a voar???...

domingo, agosto 20, 2006

Sugestão - "ciberpresença semanal"


A maior parte de vocês já sabe da existência do DNJovem. Uma presença de grande valor que serve de publicação para vários trabalhos (literatura, desenho, pintura, fotografia...) de criadores até aos 27 anos (inclusive). Por lá já passaram muitos nomes conhecidos... Todas as semanas temas novos, descobertas, boas leituras e agradáveis desafios visuais. Alguns de vocês até já terão enviado e visto publicados os vossos trabalhos. Vale a pena visitar aquele cantinho. ;)
O DN Jovem foi criado em 24 de Maio de 1983, como suplemento semanal do Diário de Notícias e com um formato que variou entre as cinco e as oito páginas.
O último número da edição regular em papel surgiu a 28 de Maio de 1996, encerrando assim uma carreira de 13 anos nesse formato, em que foram publicados cerca de 15 mil trabalhos.
Salvo num período relativamente curto (primeiro ao domingo e, depois, à quinta), saiu sempre à terça-feira.
A estreia do DN Jovem na Internet ocorreu a 18 de Junho de 1996, e desde essa data é editado no ciberespaço semanalmente, às terças-feiras. Para além desta ciberpresença semanal, mantemos o contacto com a edição em papel através de uma página no jornal de sábado.

A selecção dos trabalhos está a cargo de:

TEXTO
Sandra Augusto França e Sónia Duarte;
ILUSTRAÇÃO
Fernando Ribeiro e João Galante.

sábado, agosto 19, 2006

Sugestão Teatral - Pedras nos Bolsos

Hoje falamos de TEATRO. Mais propriamente de um projecto da Marta (uma das nossas ex-contribuidoras... parabéns pelo sucesso da peça!)



Pedras nos Bolsos
Marie Jones, autoria
Marta Mendonça, tradução e adaptação
Almeno Gonçalves, encenação
Heitor Lourenço e Alexandre Ferreira, interpretação
de 2006/07/19 até 2006/09/30
Qua a Sáb: 21h45
Informações Úteis: 214 121 797
Preço dos bilhetes: 15,00 €
Sinopse:

Dois alentejanos na casa dos trinta anos participam como figurantes num filme brasileiro a ser rodado no Alentejo. O trabalho vem criar reboliço numa aldeia sossegada e entusiasmar Zé Pedro e Carlos Costa, que aqui têm a possibilidade de ganhar 30 euros por dia, comer três refeições diárias e estar perto da «estrela» brasileira que protagoniza o filme. Após o suicídio de um rapaz da aldeia, o grupo vê-se confrontado entre a superficialidade dos ideais da indústria cinematográfica e a realidade representada por essa tragédia. Uma peça de dois actores para 15 personagens.


"A adaptação da peça "Pedras nos Bolsos" foi feita a pensar nos vários filmes estrangeiros que por cá se têm rodado, e naquele que seria o impacto dessas filmagens no dia-a-dia de uma pacata aldeia alentejana; no conflito entre gerações naquela região do país, em que os mais velhos estão resignados à sua condição social e financeira, enquanto os mais novos sonham com oportunidades de trabalho e de uma vida melhor, neste caso concreto, tentando a sua sorte através de uma vertente mais estéril e superficial do mundo cinematográfico. Aliado a isto, está o desafio de criar tudo a partir do nada, valendo-nos a excelente capacidade de interpretação de dois actores que dão vida a 15 personagens, sem recorrer a adereços, apostando em diálogos que têm tanto de divertido como de introspectivo e mordaz, estimulando a capacidade imaginativa do espectador e prestando uma homenagem simples à nossa cultura rural." - Marta Mendonça

E que tal uma ida ao Teatro Mundial? :)

Visitem, também, o cantinho especial da Marta: AQUI

sexta-feira, agosto 18, 2006

Sistema solar «conquista» mais três planetas


O número oficial de planetas do sistema solar poderá passar em breve de nove para 12 se a União Astronómica Internacional assim o decidir na próxima semana, obrigando a alterar desde brinquedos a livros escolares. Um projecto de resolução apresentado ontem à assembleia geral da UAI, reunida em Praga até 25 de Agosto, prevê que o sistema solar passe a incluir um asteróide, Ceres, e dois outros planetas inscritos numa nova categoria, a dos "plutões".

Esta categoria deve o seu nome a Plutão, até agora o nono da lista dos planetas "clássicos" e o mais pequeno e mais afastado do sistema solar, que passaria a integrar um grupo à parte com o que tem sido considerado o seu maior satélite, Caronte, e o "objecto" 2003 UB- 313. Foi a descoberta há três anos deste último corpo celeste, um pouco maior que Plutão (2.398 quilómetros de diâmetro, contra 2.228 quilómetros), que suscitou a contestação da definição habitual dos planetas.

No projecto de resolução, que deverá ser votado no próximo dia 24, os peritos propõem uma nova definição da diferença entre "planeta" e "corpo de sistema solar" (cometa, asteróide). Se a "resolução número 5" for aprovada, um planeta será "um corpo celeste rígido com massa suficiente para ter uma gravidade interna que lhe dê uma forma hidrostática equilibrada (quase redonda), em órbita em torno de uma estrela, não sendo nem uma estrela, nem um satélite de um planeta".

No projecto de resolução, que deverá ser votado no próximo dia 24, os peritos propõem uma nova definição da diferença entre "planeta" e "corpo de sistema solar" (cometa, asteróide). Se a "resolução número 5" for aprovada, um planeta será "um corpo celeste rígido com massa suficiente para ter uma gravidade interna que lhe dê uma forma hidrostática equilibrada (quase redonda), em órbita em torno de uma estrela, não sendo nem uma estrela, nem um satélite de um planeta".

Entre os novos planetas estaria o asteróide Ceres, situado a 414 milhões de quilómetros do Sol e descoberto em 1801, Caronte, que está a 6.000 milhões de quilómetros do Sol e o 2003 UB-313, também conhecido por "Xena", situado actualmente a 14.550 milhões de quilómetros da Terra e descoberto em 2003. A nova lista do sistema solar passaria assim a ser, em ordem de proximidade do Sol: Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Ceres, Júpiter, Saturno, Urano, Neptuno, Plutão, Caronte e 2003 UB-313.

Apresentação: Magna Editora


'Reconhecendo claramente a importância dos blogues enquanto meio de comunicação global, a Magna Editora vem, numa atitude pioneira, apresentar-se à blogosfera. A apresentação pública de uma editora recém-criada, parece pedir um motivo que justifique essa criação. Existe apenas um forte motivo para a criação da Magna Editora: o gosto pela literatura. A aposta em novos autores ocupa um espaço privilegiado na nossa actividade. No entanto, concentramo-nos também na edição de obras ímpares da literatura universal, assim como na edição de autores estrangeiros não traduzidos para a língua portuguesa. Assim, queremos destacar-nos no panorama literário nacional pela irreverência, ousadia e qualidade das nossas edições.

Convidamo-lo a descobrir-nos no nosso
site ou numa qualquer livraria. Queremos que cada um dos nossos livros seja um desafio para si. O nosso desafio, é merecer que os nossos livros façam parte da sua vida.'

Emanuel Vitorino
(Editor da Magna Editora)

quinta-feira, agosto 17, 2006

Sugestão - Livros Usados


Convido-vos a visitar o cantinho especial de Carlos Tão onde podem adquirir livros usados a bons preços.

quarta-feira, agosto 16, 2006

Sugestão - "Stellar images bring out the best from a mixed decade" (Variety, USA)


Edição especial da Taschen (claro!)... O editor, Jürgen Müller, estudou arte em Bochum, Paris, Pisa e Amesterdão. Trabalhou como crítico de arte e publicou vários livros e artigos sobre cinema e história da arte.

Este livro apresenta uma selecção dos melhores filmes desde 1990 até 1999. Vários géneros e detalhes deliciosos sobre os filmes. Para todos os amantes de cinema... ;)


Este foi um presente :)

Existem outros volumes, outras surpresas... folheei alguns. Pelo menos este aconselho! ;)

Link: www.taschen.com

Karl Hubbuch (Karlsruhe, 1891 - 1979)


Há muito que não fazia um post deste tipo... pouco tempo ou talvez tempo mal gerido ;)
Hoje falarei um pouquinho de Karl Hubbuch. Pouco conhecido [creio] a sua obra foi tomada como indesejável pelo Regime Nazi. Foi proibido de expor os seus trabalhos e de ensinar (era professor na Escola de Belas Artes em Karlsruhe). No entanto ele e outros pintores da sua época, activistas insurgiram-se sempre contra o regime dominante. Espalharam uma visão negativista/ verdadeira da nação germânica durante a guerra focando-se nos problemas sociais, inflação, declínio da moralidade, etc., que está presente em muitas das suas criações.

Hubbuch foi um dos pintores mais incisivos da sua época e cultivou um género de pintura muito usado pelos artistas da chamada New Objectivity (Neue Sachlichkeit) nomeadamente o retrato. [A Colecção Thyssen-Bornemisza tem vários exemplos. Aqui podemos ver alguns dos seus trabalhos.]

Olhemos ao de leve o seguinte quadro - para mim sobejamente interessante ;) - (Double Portrait of Hilde II, c.1923). Podemos ver um duplo retrato incompleto [pista - falta metade do painel com mais duas representações de Hilde - em que o artista mostra a mulher em mais duas posições].

Será que podemos "ver/sentir" na primeira um desejo de 'fechamento' sobre si mesma, a necessidade de isolamento [pelo estado 'silencioso' e pensativo, pela posição, claro, mas mais...] repara como a pele é branca [faz lembrar um cadáver] repara nos olhos fechados ou "colados" num qualquer ponto do chão... que sentimento [te] transmite esta mulher que vive, respira dentro deste quadro?

Encontramos, depois, a mesma mulher. Posição vertical, diferente apresentação, curiosa colocação de mãos... altiva e, talvez, surpresa por ver algo/alguém. Nota a cor triste da parede, a luz artificial... o sentimento...

Convido-te a encontrar a outra parte do painel. Talvez origine curiosas leituras... sobre quatro leituras de uma mesma mulher, sobre quatro estações, sobre quatro humores... sobre quatro espelhos de uma mesma realidade... tu me dirás ;)

Link: http://www.karl--hubbuch.de/


[Neste dia (triste) em que mais três pessoas foram "retiradas" do Cultura... pediam-no há muito e eu tardava em aceitar mas respeito, claro]. Marta, Gonçalo e Filipe agradeço-vos o tempo, a dedicação, a partilha, a amizade e espero que continuem a visitar-nos... sempre!)

terça-feira, agosto 15, 2006

Literatura - Sugestão

"Hoje fiz o caminho como uma bela palmeira. Fomos a rir e a conversar sem pressas, não quis pensar que teria que vir para aqui, para o meio dos loucos, cair sem amparo entre a corja amorfa e cinzenta. Também isto me soube bem, e olha, a raiva e a náusea e a peste e os vaipes de revolta já são folhas da mesma árvore, já são cores no meu tapete e não tomam conta dos momentos, é que mesmo assim não tiveste razão. Corta-se uma vida ao longo dos anos, sobretudo à sexta-feira, com as facas do desespero. Aqui não se respira o mesmo ar que tu e eu partilhámos. As pessoas são curtas, finas, rasas, e o pavor leva-as a apedrejar os cães que ladram em tons diferentes. É uma casa difícil, esta que me guarda as costelas enquanto ando por aí. Vais gastar um pouco mais do teu sangue, outras quantas certezas, e acabas por acordar numa manhã como esta. As nuvens continuam a ser nuvens, e dos dias confusos só tenho as tuas feridas. Preciso de pouco mais para voltar a pintar esta praia com as cores da paixão."
Blog do Autor: A Caverna Obscura

Informações em: http://www.lulu.com/content/343832

Escrita na Paisagem 2006


Teatro em Évora




ESCOLA DE MARIDOS
de Molière
Representações JULHO E AGOSTO 2006
Terças, Quintas e Sábados às 21.30
no Páteo de S. Miguel, em Évora

Espectáculo para M/12 Anos

Nesta comédia em três actos, Molière, pela palavra de Ariste, insurge-se contra a ausência de liberdade das jovens (tudo leva a crer que ela se destina à sua própria protegida, Armande Béjart, vinte anos mais nova, com quem virá a casar-se) e a uma severa crítica aos costumes da época.
Será curioso reflectir – daí o carácter humanista das peças de Molière – sobre a evolução da personagem Isabel. De facto, seguindo os sábios conselhos de Ariste e tendo em Valério a mola impulsionadora para a sua libertação, cabe-lhe a ela, mais do que ao seu apaixonado, a decisão e acção sobre o seu destino.

Espectáculo Promovido pela Fundação Eugénio de Almeida
Criação e Produção a bruxa TEATRO
Link:

CCB - Sugestões


DIMAS Uma vida debaixo da terra
Co-produção: CCB / Viriato - Teatro Municipal
20, 21, 22, 23 DE SETEMBRO (21H00) e 24 DE SETEMBRO (17H00)
Duração:90 min

Residência Artística e Espectáculo
A partir de uma residência artística, uma criação em co-produção com o teatro Viriato e uma aposta artística na criação portuguesa: “Dimas”, primeiro espectáculo de Graeme Pulleyn, após a sua saída do Teatro Regional da Serra de Montemuro. “Dimas” conta a história de dois irmãos, inseparáveis e sozinhos no mundo, herdeiros de uma só mina de onde brota água doce. Quando a irmã de Dimas se apaixona, o que antes era dos dois, passa a ter que ser separado. O reencontro improvável dos irmãos enterra-se no fundo da mina da alma. O tempo passou. Mas será que o tempo passa nos corações?
Classificação: Maiores de 16 anos

e/ ou...



Co-Produção. CCB / APA (Actores, Produtores, Associados)
25, 26, 28, 29 e 30 de Setembro 2006
às 21h00 Sala de Ensaio
Duração:55 minutos, sem intervalo

“Debaixo da cidade”, de Gonçalo M. Tavares:
Alguém ou algo está debaixo de um espaço. Debaixo da cidade é o título. Poderá ser debaixo da cidade ou debaixo simplesmente de uma casa. O certo é que alguém ou algo fugiu ou se afastou. Alguém que receia as acções e os acontecimentos. Alguém que receia os próprios objectos e ainda os acontecimentos que podem resultar do cruzamento de um corpo com esses objectos.Depois, subitamente, alguém entra. Lá em cima, algo acontece. E os acontecimentos são perigosos. É necessário continuar a fugir.

Link: http://www.ccb.pt/ccb/

segunda-feira, agosto 14, 2006

O Retrato de Dorian Gray (Partilha Literária)




“O objectivo da vida é o desenvolvimento próprio, a total percepção da própria natureza, é para isso que cada um de nós vem ao mundo. Hoje em dias as pessoas têm medo de si próprias. Esqueceram o maior de todos os deveres, o dever para consigo mesmos. É verdade que são caridosas. Alimentam os esfomeados e vestem os pobres. Mas as suas próprias almas morrem de fome e estão nuas. A coragem desapareceu da nossa raça e se calhar nunca a tivemos realmente. O temor à sociedade, que é base da moral, e o temor a Deus, que é o segredo da religião, são duas coisas que nos governam. E todavia... [...] acredito que se um ser humano vivesse a sua vida plenamente, dessa forma a cada sentimento, expressão a cada pensamento, realidade a cada sonho, acredito que mundo beneficiaria de um novo impulso de energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época medieval e regressaríamos ao ideal helénico. Mas o mais corajoso homem entre nós tem medo de si próprio.”

in “O Retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde [Relógio D’Água]

Oscar Wilde.
Todos nós, pelo menos, uma vez nas nossas vidas já ouvimos este nome: alguns de nós ficam curiosos o suficiente para investigarem a obra deste escritor, outros nem por isso. Não sei a qual dos grupos pertenço... simplesmente tive a sorte de ter um colega de faculdade que era fã da personalidade excêntrica de Oscar Wilde, bem como da sua obra literária (na versão original), que teve a bondade de me emprestar alguns livros deste autor...
No livro ““O Retrato de Dorian Gray”, Oscar Wilde conta a história de Dorian Gray, um rapaz da alta sociedade possuidor de uma beleza extraordinária. Beleza esta que fascina o pintor Basil Hallward, ao ponto de se propor a fazer um retrato de Dorian. Este obcecado pela sua própria beleza, atende ao pedido e ao ver a beleza excepcional do seu retrato, exprime o desejo de que o quadro pudesse envelhecer, enquanto ele continuasse com o seu rosto eternamente jovem... Mal ele saberia que o seu desejo seria atendido e a sua vida sofreria com isso...

segunda-feira, agosto 07, 2006

1800 acções de divulgação científica em todo o país

Caros Amigos,


Pelo décimo ano consecutivo, de 1 de Agosto a 30 de Setembro , poderá partir à descoberta da Ciência durante as férias de Verão. Na praia, no campo ou na cidade, especialistas de universidades, centros de investigação, escolas e associações científicas organizam acções de divulgação científica de acesso gratuito para toda a população. Espreitar por um telescópio para observar as estrelas, as galáxias ou os planetas, é uma oportunidade que a Astronomia no Verão nos tem vindo a assegurar nos últimos 10 anos. Que rochas guardam as nossas reservas de água? E como se processou o abastecimento de água a cidades como Lisboa e Porto ao longo do tempo? Dos subterrâneos do Porto às mais antigas fontes de Alfama, os especialistas estão lá para lhe explicar. Na Geologia no Verão poderá ainda acompanhar os geólogos em passeios de autocarro, bicicleta e até de canoa para melhor conhecer os acontecimentos que, há milhões de anos, condicionaram a nossa paisagem.Descobrir como os sobreiros ajudam a combater a desertificação ou monitorizar a actividade da vegetação das dunas pela noite dentro, são algumas das iniciativas em que poderá participar na Biologia no Verão. Mas se quiser conhecer os animais que habitam estuários, praias ou montes, acompanhe os biólogos a uma saída de campo para observar golfinhos, aves, borboletas e até lobos.Na Engenharia no Verão , poderá este ano ver de perto o início da nova ponte para a travessia do Tejo, entre o Carregado e Benavente, que deverá estar terminada em 2007. Mas poderá continuar a visitar barragens, a saber como se processa o tratamento de águas ou de resíduos, como se monitoriza o tráfego, que tipo de antenas emitem o sinal de televisão que vemos todos os dias, ou para que serve o cabo submarino amarrado em Sesimbra. Na Ciência Viva com os Faróis, os especialistas da Marinha partilham consigo os seus conhecimentos de engenharia, navegação e história. Ao final do dia, aproveite o entardecer e vá até à costa visitar um farol. A maioria das acções necessita de inscrição prévia. O acesso é gratuito.

Programação completa em:
www.cienciaviva.pt/veraocv


Para mais informações: Nº azul 808 200 205


Participe!
(Informação facultada pelo Little Blue Sheep)

quinta-feira, agosto 03, 2006

Quiz


Qual o filme russo com uma intriga bem interessante sobre o eterno (?) equilibrio entre o bem e o mal com vampiros e bruxas à mistura que estreou no ciruito comercial no nosso país em 2004 mas que ninguém viu?
Sei que é díficil, mas...