A escritora que aqui divulgo, hoje, é originária do Brasil, mais concretamente Fortaleza, no Ceará. Ana Miranda nasceu em 1951 e é autora de vários livros de Poesia, Romance e Contos. Tem recebido vários prémios e a sua obra está traduzida em línguas diversas.
O conto que aqui edito na íntegra- "Animal" é um exemplo do seu trabalho, neste caso, ao nível da expressão do Erotismo.
Ele me ama como se eu fosse um animal de estimação, quer que eu seja pálida e tenha olheiras, não ia se importar nada, uma mulher frágil e macia como se fosse feita de pelúcia, quer as minhas veias aparecendo debaixo da pele branca para ver o avesso do corpo, para ter a sensação de que lhe pertenço, para ser mais fácil me matar, desenha com uma caneta imaginária as veias do meu pulso, como se planejasse um corte diz, Aqui você morreria em apenas três minutos e toca na veia do meu pescoço, Aqui em três segundos, encosta um revólver imaginário em meu seio e diz, Aqui morte instantânea sem dor nem sofrimento e dispara enquanto faz o som do tiro em minha boca, seu corpo dentro do meu, Teu corpo é meu brinquedo, Tenho ciúmes desta tua veia que escreve a letra S, digo, Vou ler o que as tuas veias escrevem, ele diz, escreve na minha coxa com uma caneta imaginária e beija a pele onde é mais branca nas partes de dentro das coxas e nas partes de baixo dos braços. Teu corpo é meu diário, Se algum dia eu te deixar quero que me mates, digo, Eu te quero pálida, obedeço, fico branca, ele faz um corte desde a garganta até o púbis, Eu te amo por dentro, quero ver o teu coração, beijar os teus pulmões, arrancar o teu útero, acariciar as tuas finas e longas clavículas, e passa a medir meu corpo, aos palmos as coxas os braços os quadris, cinco dedos de joelhos oito dedos de altura do pescoço, pede que eu mostre os dentes lá no fundo da boca, a língua, as partes mais vivas, as subterrâneas os fossos os torreões, As tuas jóias, passa a unha na minha pele, segue as veias, formas que nascem do movimento, acompanha as variações do meu rosto e a arquitectura dos pensamentos, desce pelo ombro, nenhuma linha reta, as curvaturas da carne e os drapeados dos cabelos, as sombras azuladas dos domos, as ossaturas suspensas, Teu corpo é minha igreja, o corpo é pleno de revelações religiosas, a imagem de Deus, mas há tantos milhões de enigmas no corpo, ele diz quando estou lânguida e toda lhe pertenço, Olhar é amar, olhando continuamente sabemos o quanto se modifica tua geometria, teu corpo é a minha casa, onde finalmente posso me sentir só.
(Ana Miranda- "Animal", in Intimidades. Antologia de contos eróticos femininos. Edição: Dom Quixote, 2005. Fotografia de José Marafona)
O conto que aqui edito na íntegra- "Animal" é um exemplo do seu trabalho, neste caso, ao nível da expressão do Erotismo.
Ele me ama como se eu fosse um animal de estimação, quer que eu seja pálida e tenha olheiras, não ia se importar nada, uma mulher frágil e macia como se fosse feita de pelúcia, quer as minhas veias aparecendo debaixo da pele branca para ver o avesso do corpo, para ter a sensação de que lhe pertenço, para ser mais fácil me matar, desenha com uma caneta imaginária as veias do meu pulso, como se planejasse um corte diz, Aqui você morreria em apenas três minutos e toca na veia do meu pescoço, Aqui em três segundos, encosta um revólver imaginário em meu seio e diz, Aqui morte instantânea sem dor nem sofrimento e dispara enquanto faz o som do tiro em minha boca, seu corpo dentro do meu, Teu corpo é meu brinquedo, Tenho ciúmes desta tua veia que escreve a letra S, digo, Vou ler o que as tuas veias escrevem, ele diz, escreve na minha coxa com uma caneta imaginária e beija a pele onde é mais branca nas partes de dentro das coxas e nas partes de baixo dos braços. Teu corpo é meu diário, Se algum dia eu te deixar quero que me mates, digo, Eu te quero pálida, obedeço, fico branca, ele faz um corte desde a garganta até o púbis, Eu te amo por dentro, quero ver o teu coração, beijar os teus pulmões, arrancar o teu útero, acariciar as tuas finas e longas clavículas, e passa a medir meu corpo, aos palmos as coxas os braços os quadris, cinco dedos de joelhos oito dedos de altura do pescoço, pede que eu mostre os dentes lá no fundo da boca, a língua, as partes mais vivas, as subterrâneas os fossos os torreões, As tuas jóias, passa a unha na minha pele, segue as veias, formas que nascem do movimento, acompanha as variações do meu rosto e a arquitectura dos pensamentos, desce pelo ombro, nenhuma linha reta, as curvaturas da carne e os drapeados dos cabelos, as sombras azuladas dos domos, as ossaturas suspensas, Teu corpo é minha igreja, o corpo é pleno de revelações religiosas, a imagem de Deus, mas há tantos milhões de enigmas no corpo, ele diz quando estou lânguida e toda lhe pertenço, Olhar é amar, olhando continuamente sabemos o quanto se modifica tua geometria, teu corpo é a minha casa, onde finalmente posso me sentir só.
(Ana Miranda- "Animal", in Intimidades. Antologia de contos eróticos femininos. Edição: Dom Quixote, 2005. Fotografia de José Marafona)