Como resolver a incoerência entre o que é dito e o que é feito entre os homens? A questão entra na raiz da constituição da própria espécie humana e pode ser posta de outra forma: como estreitar a distância entre o sonho e o objecto realizado que é depois exposto ao mundo? Este é um passo que envolve a transformação de algo densamente subjectivo, o sonho, em algo que habitará no espaço real de forma mais presentemente objectiva. O problema do subjectivo e do objectivo é responsável por inúmeras páginas discursivas na área da Filosofia. Deveras que a carne corrompe o acto, como foi verificado por Chico Buarque e São Paulo, o primeiro, poeta múltiplo da vida quotidiana e, o segundo, homem sábio da devoção religiosa. Os sonhos são coisas idealizadas que mesmo para existirem em seu espaço abstracto, precisam do suporte da carne e isso denota uma natureza inseparável para ambos. Acreditamos que um ponto-chave que possivelmente enfraquecerá a solidez do sonho em processo progressivo de evanescência, até o seu nascimento em coisa deturpada, foi sugerido por David Bohm e F. D. Peat no livro Ciência, Ordem e Criatividade.
Essa caixa de surpresas e complexidade que é o ser humano, sujeito às suas características constituintes, está condenada à eterna luta contra si própria. Uma delas é amolecer a rigidez da infra-estrutura tácita das ideias que a envolve. E esta afecta cada indivíduo por vias internas e externas. A infra-estrutura procede da própria mente humana ao adquirir habilidades, ideias, processos de pensamento e torná-los inerentemente implícitos aquando da execução de alguma tarefa, seja de ordem prática ou teórica. Portanto, a infra-estrutura tácita é uma característica da carne. Na execução de tais tarefas, um cientista, por exemplo, procede embebido no seu método sem indagar os pormenores do que está a executar. Como a Ciência está em constante evolução, historicamente, mudanças podem ocorrer em seus conceitos fundamentais. A gravidade do trabalho científico, em paralelo com a infra-estrutura tácita está na aplicação dos conceitos antigos em problemas imersos em contextos novos, o que pode causar confusão e fragmentação. E esse efeito de amarras nos homens está presente em todos os seus actos seja na Arte, na Ciência, na Religião ou, especificamente, na Política.
Um caminho de libertação que seja, não é definitivo. Contudo é o resultado de uma constante luta contra si mesmo, em simultânea associação com a sociedade que deve mudar em conjunto. Se houver a incompatibilidade entre a mudança de um sujeito e a comunitária, aquele indivíduo que mudou sozinho virará um deus e será eliminado pela incompreensão do mundo com relação às suas ideias.
A constante luta de que falamos é iniciada pelo diálogo. Diálogo consigo próprio isoladamente e em conjunto com o livre diálogo de ideias e pontos de vista distintos, postos lado a lado num ambiente comunitário. Esta é uma assertiva baseada em fundamentos mais profundos de análise científica. Diálogo vem do grego e significa dia = através de e logos = palavra. E a palavra que está referida nesta significação não é a mera propagação sonora, mas sim a raiz dos seus significados. O termo é mais profundo. Segundo Séneca, o discurso é o rosto do espírito Assim, diálogo é o fluxo livre de significado entre as pessoas através da comunicação. Mas reforcemos que esta comunicação deve começar dentro de si próprio. Através do diálogo constante consigo próprio, vários génios de todas as áreas conseguiram romper a barreira da infra-estrutura tácita das ideias e expor para a humanidade novas ideias, conceitos e valores. E isto não lhes foi fácil, rendendo-lhes volumes de horas reflexivas e necessitando de um esforço e desprendimento pessoal de energia enorme. O problema, em grande parte é que, num novo conjunto de ideias sugerido, a sociedade que o escolhe para execução através de seus dirigentes políticos, por exemplo, não está preparada para a compreensão de tais novos conceitos. Faltou-lhe o jogo livre das ideias por parte de cada indivíduo dirigente e a educação da comunidade para se adequar à teoria proposta. Além disso, o próprio conjunto de ideias novas, tem que conter em si uma liberdade para se fazer adequar constantemente às novas situações, reformulações ou imprevistos que possam aparecer eventualmente. Só depois deste processo longo e complexo, a execução prática poderia ser efectuada em constante monitoramento dialogal. Como já disse Voltaire: Se queres conversar comigo, define primeiro os termos que usas. No jogo livre discursivo, nenhuma ideia deve ter supremacia absoluta. Os participantes têm que esquecer o seu ponto de vista de lado, por um instante, para vossas mentes se manterem abertas para receber os novos conceitos do orador que tem a palavra naquele instante. Não pode haver contraste de ideias naquele instante. Os ouvintes têm que apreender as metáforas novas lhes sugeridas, sem erguerem as barreiras causadas por suas próprias ideias. Neste jogo livre, as mentes serão arremessadas para compreensões metafóricas inovadoras e alimentarão o potencial criativo do grupo. Num segundo momento, a sintonia entre a ideia e o acto pode ser alcançada plenamente e a sua distância diminuída aquando da execução.Em suma, acreditamos que este diálogo é o caminho inicial. E tem que ser um diálogo fraterno, livre de disputas, de punições, de gratificações ou de discriminações. Cada indivíduo, em diálogo constante consigo, não pode esperar bonificações, prestígio ou coisa parecida. O homem é um ser que, antes de tudo, comunica consigo, com os outros e com o cosmos, e a incompatibilidade dos seus actos é um resultado materializado não da comunicação, mas sim das falhas e defeitos da comunicação e por isso será um homem sensato aquele que, para decidir um homem está em paz ou em guerra consigo, ligar mais às palavras do que aos factos! (Demóstenes). Somente este diálogo livre e salvo das falhas da comunicação, fomentará o espírito criativo global, possibilitando a libertação das estruturas rígidas e permeando todas as áreas do conhecimento humano, num jogo interdisciplinar para a melhoria da humanidade.