sábado, setembro 01, 2007

Entrevista a Paulo D.

Usando o Pseudónimo Paulo D., este autor (cujo nome verdadeiro não posso revelar) escreveu o Romance - “Esboço de Vida num Reencontro Inesperado" editado pela Corpos Editora. Vamos conhecê-lo melhor.

Deseja comprar o Livro de Paulo D.?


sandra martins – Que idade tem? Qual é/ foi o seu percurso académico? Qual é a sua profissão?

Vinte e sete. Licenciado em Biologia Marinha pela Universidade de Swansea do Reino Unido. Mestrado em Ciências do Mar – Recursos Marinhos pelo Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar da Universidade do Porto. Neste momento trabalho como guia nas caves de Vinho do Porto Graham’s.

s.m. Quando começou a escrever?

Comecei a escrever já há algum tempo. Não me lembro bem quando... creio que por volta dos dezasseis anos, um pouco como toda a gente, comecei com poemas pueris de adolescência que utilizava depois como letras de canções, mas escrever a sério... bem eu ainda acho que não escrevo a sério (risos). Digamos que eu não me levo muito a sério, o que não quer dizer que o que faço não o faça com a maior seriedade.

s.m. Além do livro que apresentamos hoje aqui no Cultura já publicou e/ ou publica, actualmente, noutros suportes?

Não, que me lembre não.

s.m. Actualmente a Internet é uma importante ferramenta na divulgação de todo o tipo de arte. O que pensa deste mundo? Noto que não aderiu ao mundo dos blogues. Alguma razão em particular?

Concordo consigo, penso que a Internet abriu imensas portas para muita gente seja em que área for. Não só na Arte, mas também no mundo empresarial e social. Nomeadamente em termos de emprego, criação de empresas ou no caso social com os sites de “chat” ou de encontros que se estão a tornar bastante significativos na criação de novos casais. Digamos que a Internet tornou mais acessível e também possível a expressão individual de cada um de uma forma que há algum tempo era apenas permitida a uma minoria quase de elite. Evidentemente que em tudo isso existe o reverso da medalha, por vezes com desenvolvimentos nefastos como todos conhecemos casos ou já ouvimos falar. Mas voltando concretamente à Arte... Julgo, como disse, que a Internet se tornou importantíssima para não dizer indispensável para a divulgação de uma obra, no entanto não creio que deva ser o único meio. Pois também na relação “divulgação da obra” – Internet existe o reverso da medalha, sobretudo no que diz respeito a autores pouco conhecidos ou mesmo estreantes. Existe o perigo da obra passar despercebida. A Internet é um universo tão vasto que quase infinito e onde se pode encontrar do melhor ao pior, há o risco para um autor que só confie nesse meio de a obra se perder nessa imensidão de informação e não ter o devido reconhecimento. A Internet é vastíssima e é preciso um certo grau de sorte para que alguém encontre a página de um autor desconhecido e fique absorto pela sua obra. A maioria das pessoas vai à Internet à procura de informações sobre assuntos que já conhece e quer aprofundar ou sobre temas que “ouviu falar”. E no caso da Arte existe uma grande diferença entre ver ou ouvir uma obra ao vivo e pelo computador. Se bem que no caso da música seja um pouco mais fácil e aceitável. Mas no caso da literatura existe uma grande diferença entre ler no monitor e segurar uma folha de papel. Eu pessoalmente prefiro o papel...

Não existe nenhuma razão especial pela qual não tenha aderido ao mundo dos blogues. Tempo..., paciência..., preguiça..., um pouco dos três, talvez. Não sei... Acho que não tenho jeito para blogues. Para o estilo de escrita quotidiana que parece tipificar a maioria deles. Confesso também que não sou grande leitor de blogues, mas o vosso é deveras interessante (risos). Tenho alguns amigos que têm blogues nos quais escrevi algumas coisas em género de comentário, eles dizem que gostam, que deveria escrever um, mas as suas posições são dúbias e eu continuo a achar que não tenho grande jeito para a coisa.

s.m. Com certeza já terá recebido boas críticas em relação ao seu trabalho literário. Como se sente perante as palavras dos seus leitores e críticos?

Sim, evidentemente que já recebi boas críticas em relação ao meu trabalho literário, mas foram sempre de pessoas conhecidas ou amigos. O que na minha óptica, como referi na resposta anterior, as torna... um pouco dúbias (risos). É claro que é sempre agradável ouvir elogios e também críticas construtivas, mas não se devem levar demasiado a sério. Creio que se deve aprender com toda a informação que se recebe. Filtrá-la e utilizá-la para na próxima vez fazer melhor e por inerência nos tornarmos também nós, enquanto pessoas, melhores.

s.m. Qual foi a sensação de ver o seu primeiro livro publicado? Trouxe mudanças na sua vida?

Foi extremamente esquisito. Lembro-me de não ter tido nenhuma consciencialização especial do momento ou qualquer sensação plena de realização. Recordo-me apenas de pensar e desejar que fosse o primeiro de vários.

A publicação do livro não trouxe grandes mudanças na minha vida, mas fiquei claramente com a sensação que mudou a forma como quem já me conhecia olhava para mim. Como se por geração espontânea, de um dia para o outro tivesse nascido um misto de surpresa, espanto, orgulho e... ouso dizê-lo admiração. Foi estranho no impacto inicial lidar com isso.

s.m. Conte-nos que tal é a experiência dentro da barriga do monstro livreiro do nosso país.

Olhe, não faço ideia. Sinceramente. Não me interessei muito por saber como é que o livro se deu nas várias livrarias onde esteve. Pode parecer um pouco estranho, mas tenho consciência que é muito difícil alguém pegar num livro de um autor que não conhece de lado nenhum e comprá-lo. Contra mim falo...

s.m. Como surgiu o título do seu livro - “Esboço de Vida num Reencontro Inesperado”?

O título surgiu... já não me lembro bem como foi. Acho que é uma interacção ou justaposição da história em si e do momento de vida em que me encontrava. É para mim impossível desligar um do outro. Criar algo a partir do nada (se é que isso nos é possível, a nós ser humano) conseguir criar sem colocar nada das nossas experiências pessoais.

s.m. Fale-nos um pouco dele, por favor.

Para responder a esta sua pergunta, um pouco no seguimento da anterior. Creio que a história em si, entre outras coisas, conta um reencontro. Um reencontro consigo próprio. Ao qual, julgo eu, podemos estar todos sujeitos a qualquer instante. Como se o livro estivesse dividido em pequenas “micro-histórias” que juntas fazem todo o enredo. Temos o romance entre as duas personagens principais. A ligeira crítica social na trama do local de trabalho através das personagens secundárias e o reencontro já mencionado. Mas... será preciso ler o livro para verificar se concordam ou não comigo.

s.m. Porquê o pseudónimo Paulo D.?

Timidez. Insegurança. As razões habituais, mas não só. Era algo que em certa altura da minha vida fazia muito sentido. Hoje não sei se ainda fará... O tempo e os sentimentos são algo que, em mim, não fazem muito sentido juntos. E depois eu gosto da criação de personagens. E o Paulo D. é para mim uma personagem. Uma das muitas personagens que existem dentro de mim. Para tudo o que já criei, usei nomes diferentes, em suma criei personagens. É verdade que nalgumas coisas que criei se encontra o meu nome, Miguel Lopo, mas nunca em destaque. Sempre em letras pequeninas. A criação de personagens dá-me mais liberdade, permite explorar lados que não saberia existir sem elas. Ao mesmo tempo obriga-me a pensar de um modo diferente do meu, diferente daquele que habitualmente faço.

s.m. Uma vez que já tem experiência posso perguntar: considera mais complexo - escrever poesia ou prosa?

Para mim a poesia é mais difícil. Os grandes poetas têm o dom de conseguir dizer muito com pouco. Isso por si só já é um feito. Consegui-lo de forma bela é... no mínimo admirável. Interessei-me há tempos por alguns poetas ingleses. Do domínio da poesia épica, pré-romântica e romântica como Milton, Blake que descobri ainda muito novo graças a um filme de ambiente extraordinário chamado Dead Man de Jim Jarmusch, e Shelley. As suas obras são de uma riqueza, uma complexidade, uma harmonia que é impossível não ficar estonteado pela sua inteligência. Paradise Lost (Paraíso Perdido) de Milton e de uma beleza e inteligência absurda. A obra de uma vida. Nunca seria capaz de escrever algo minimamente comparável. Sinceramente a poesia que tentei escrever, para além de letras de canções, é muito fraca. Não sei bem como a caracterizar em termos de estilo. É mesmo algo sobre o qual não sei o que dizer... (risos). Gosto bastante mais de prosa. Creio que tem mais a ver comigo. É-me mais fácil absorver e instantâneo escrever. Gosto de longas e pormenorizadas descrições na história e essas são um pouco impraticáveis em poesia.

s.m. Teve formação académica em Escrita Criativa? O que pensa desta disciplina?

Não tive qualquer formação académica em Escrita Criativa. Como não conheço a disciplina não vou opinar, mas o nome parece-me apelativo.

s.m. Em termos literários, acredita no termo "Inspiração", no termo "Transpiração" ou na sua simbiose?

Acredito evidentemente na sua simbiose, se bem que não saiba bem definir o que é inspiração. Do mesmo modo que é difícil descortinar o que é transpiração. As duas estão demasiado interligadas para as podermos separar. Onde acaba uma e começa a outra? A inspiração talvez seja, aparentemente, mas difícil de definir porque não é palpável, não se sente. Alguém que está inspirado não o nota no momento, não pensa sequer no assunto, concentra-se apenas no trabalho, em completar a sua visão e aí já entramos no domínio da transpiração. Claro que existem pessoas com mais talento que outras, se quiser, que têm “inspiração” mais vezes que as outras, mas não acredito que se consiga algo sem muito trabalho e... transpiração. Ouso dizer que esse tipo de termos: “Inspiração” e “Transpiração” foram inventados por críticos e apreciadores da obra de Arte, de modo a explicar a capacidade do autor que se distingue em conseguir algo que a maioria das pessoas não consegue.

O ser humano tem por hábito racionalizar tudo o que o rodeia, mas nem sempre é possível.

s.m. Sente necessidade de organizar o seu tempo para escrever?

Para ser sincero sinto, mas não o consigo lá muito bem. Neste momento o meu dia está bastante preenchido e deixa-me pouco tempo para a escrita. Para escrever preciso de estar mesmo dentro da história, de entrar num mundo diferente do “normal” em que me encontro. É preciso uma certa adaptação que por vezes demora horas. Não me considero alguém de “pluma fácil”. A minha actividade profissional neste momento é bastante exigente em termos de horário e nesta altura do ano também em disponibilidade, por isso para grande pena minha, o tempo para escrever é pouco.

s.m. Como caracteriza o seu processo de escrita?

Desorganizado e bastante anárquico. Depois lá vou compondo tudo e sai bastante ordenado e julgo eu, coerente.

s.m. O seu livro foi editado pela Corpos Editora. Como foi o processo?

Foi bastante simples. Enviei o meu manuscrito para a Corpos, como já o tinha feito para outras editoras. Eles foram os primeiros a responder e a proposta interessou-me. Para além que me agradava a ideia de lançar o livro através de uma pequena editora, pouco conhecida.

s.m. O que pensa das edições de autor?

Penso que são uma muito boa alternativa para todo o autor que não tenha conseguido despertar o interesse de nenhuma editora e que queira um marco físico da sua obra para a poder difundir para outras pessoas, nem que sejam só amigos e conhecidos. Pode-me dizer que existe a Internet para isso, mas como já disse anteriormente prefiro o papel

s.m. Qual é a sua opinião em relação ao mundo editorial?

Não tenho grande opinião, é um mundo que conheço muito mal, por isso prefiro não opinar. Só julgo é que talvez deveriam ser mais organizados. Eu ainda estou a receber respostas de editoras a quem enviei o meu manuscrito há mais de um ano. E pelo que me disseram o prazo de resposta médio para um manuscrito enviado é de um ano a ano e meio. Parece-me demasiado tempo. É verdade que também desconheço as dificuldades com que se deparam e o número de manuscritos que recebem, digamos por mês, mas mesmo assim... Parece-me muito. Contudo, friso uma vez mais que desconheço a sua realidade para emitir juízos de valor.

s.m. Acha que o público, em geral, é mais sensível à poesia ou ao romance? E qual será a razão?

Diria o romance. Mais fácil de ler na minha opinião. Mais fácil a sua assimilação. O ser humano é por natureza preguiçoso (e contra mim falo) e ler grande poesia dá trabalho. A sua compreensão não é imediata, é preciso analisá-la e digeri-la. Eu próprio acho que ainda não sei ler poesia. Talvez o adquira com a idade... espero eu.

s.m. Já se aventurou no mundo dos concursos literários?

Não por acaso nunca... Espere, sim uma vez. Enviei o meu manuscrito para um concurso da FNAC. Telefonou-me uma senhora a dizer que não o podiam considerar porque tinha chegado um dia depois do prazo. Compreendo, que podia eu dizer, são regras.

s.m. Que autores lê frequentemente?

Não costumo ler autores, mas sim obras. Não tenho por norma ler tudo de um autor só porque gostei de um dos seu livros, julgo já o ter feito, mas agora prefiro abranger o maior número possível de autores diferentes e portanto opiniões, pontos de vista e estilos diferentes. Tenho também a sorte de falar e compreender praticamente tão bem como o português mais duas outras línguas (francês e inglês) o que me permite ler na sua versão original um número assinalável de obras. O que, por muito respeito que tenha às traduções, é sempre mais interessante.

s.m. Qual foi, até hoje, o(s) livro(s) e/ ou autor(es) que mais o marcaram? Porquê?

Vários: Eça, Pessoa, Virgílio Ferreira, Saramago, Chateaubriand, Camus, Proust, Céline, Borges, Eco, Kafka, Kundera, Joyce, Orwell, Burton...

Entre muitos outros. Porque é que me marcaram? Porque me alargaram os horizontes.

s.m. Qual é, na sua opinião, o/a artista português(a) – das mais variadas vertentes artísticas - que merece, da sua parte, maior admiração pelo trabalho desenvolvido para a divulgação da Cultura Portuguesa?

Pergunta difícil... Sinceramente não sei. Se falarmos em termo mediáticos há evidentemente José Saramago por ter recebido o Nobel e claro pela qualidade da obra. Em termos de música temos os Madredeus que são, julgo eu, o nosso maior sucesso musical além fronteiras. Mas sinceramente não sei. Não quero dar opinião porque posso ser injusto e não me estar a lembrar de alguém.

s.m. Qual é a sua opinião em relação à forma como a Arte é vista no nosso país? E considera que o povo português demonstra um grande interesse pelas diversas formas artísticas nacionais e internacionais?

Creio que a Arte, infelizmente ainda é vista com alguma desconfiança. Muita gente a considera uma perda de tempo porque não é algo que à primeira vista seja de rentabilidade imediata. Quantos pais saltarão de alegria ao ouvirem que os seus filhos querem ser pintores, escultores, músicos, bailarinos em vez de médicos, advogados ou engenheiros? Uma minoria de certeza. Existe uma pressão da sociedade em que vivemos para o sucesso e lucro imediato – produtividade imediata, seja lá o que isso for. E a Arte é sabido, não dá dinheiro. O problema é que existem domínios do ser humano que são necessários à sua existência e nem sempre podem ser vistos de um ponto de vista económico. Penso que a Arte é um deles e a saúde também. A saúde das pessoas não pode ser um negócio.

É uma mudança de mentalidades que tem de ser fomentada e incentivada de cima para baixo. De quem tem poder de decisão ou ambiciona tê-lo para quem não tem.

s.m. O que nos reserva para um futuro próximo, em termos de criação literária?

Tenho várias coisas pendentes. Espero poder acabá-las brevemente.

s.m. Que conselho daria a quem sonha melhorar o seu processo de escrita e, por fim, publicar?

Praticar, acreditar e arriscar.

Agradeço, em nome do Cultura, a sua disponibilidade e interesse pelo trabalho que este blogue tenta fazer a nível da divulgação artística e desejo-lhe muito sucesso e inspiração.