sábado, maio 26, 2007

Paulo Kellerman
















Gastar Palavras
Os mundos separados que partilhamos


Paulo Kellerman nasceu em Leiria, em 1974. Publicou, em edições de autor artesanais e limitadas, Livro de estórias (1999), Dicionário (2000), Sete (2000), Uma pequena nuvem solitária perdida no imenso azul do céu (2001), Fascículo (2002 a 2005, 75 números) e Da vida e da morte (2005). Publicou Miniaturas (2000) nas Edições Colibri e, pela Deriva, Gastar palavras, a que foi atribuído o Grande Prémio de Conto da APE em 2005. Em 2007 publicou Os mundos separados que partilhamos (Deriva).

Dinamizou diversas iniciativas literárias e colaborou em revistas, suplementos e sites. O seu trabalho, sempre na área do conto, foi distinguido por diversas vezes.

Blogue do Autor

Breve Entrevista:

sandra martins - Olá Paulo. Em primeiro lugar deixa-me dizer-te que é um imenso prazer poder contar com as tuas palavras aqui no nosso Blogue. Reparei que és bastante acessível e, até, muito dedicado a quem te deixa críticas no teu e/ ou se mostra interessado no teu trabalho. Sabendo que estas não são características de muitos escritores, posso perguntar-te como é a tua relação com os teus leitores e críticos?

Paulo Kellerman - Eu é que agradeço o convite. Relativamente à relação com os leitores, gostaria, um pouco utopicamente, que os livros fossem auto-suficientes, que falassem por si, que não fosse necessário explicá-los ou justificá-los. Mas, por uma série de razões, essa postura nem sempre é exequível e torna-se necessário ter uma posição um pouco mais activa.

s.m. Que idade tens? Qual é/ foi o teu percurso académico? O que te ocupa a maior parte do tempo?
P.K. Trinta e dois anos. Um curso de psicologia abandonado logo, logo no princípio. Trabalho em informática. Leio bastante, faço rádio. Gosto muito de não fazer nada, de saborear a simples passagem do tempo. Tenho uma filha, que quer ser pintora.

s.m. Quando começaste a escrever?
P.K. Catorze, quinze anos. Percebi que era uma forma de ser popular e apreciado, o que nessa idade é determinante. Logo aí, de um modo pouco consciente, fui intuindo que a escrita poderia ser uma forma controlada de reflexão e de auto-conhecimento, um espaço de liberdade e descoberta onde poderia colocar questões e testar respostas, especular, correr riscos. Como é óbvio a tal popularidade foi fugaz e inconsequente mas ficou esse vício de liberdade, de busca, de obsessão pela dúvida e pela possibilidade, de provocar uma reacção no outro. E também a arrogância de sentir que se tem algo a dizer, a vaidade de achar que alguém se interessa.

s.m. Além dos teus livros já publicaste ou publicas, actualmente, em alguma revista, jornal ou sítio na internet?
P.K. Publiquei em bastantes sítios mas nunca de modo regular. O local mais marcante por onde passei foi o DNa, onde publiquei meia dúzia de contos. Actualmente, e com alguma regularidade, apenas tenho publicado na Minguante, uma revista online.

s.m. Como é pertencer à geração dos que "vieram" do DN Jovem e pertencer ao mundo, cada vez mais vincado, dos blogues? Qual a razão do teu Blogue "A Gaveta do Paulo"? A sua criação foi posterior ou anterior à publicação do primeiro livro?
P.K. A Gaveta surgiu poucos dias após a apresentação pública do Gastar Palavras; a ideia foi colocar lá as estórias que não tiveram espaço no livro, e que não me apetecia abandonar; depois, fui acrescentando algumas das novas estórias que ia escrevendo. O segundo livro passou, em grande parte por lá. Vejo, actualmente, o blogue como uma plataforma de divulgação, uma espécie de portefólio interactivo. Quanto ao DN Jovem, suponho que tenha sido um incentivo determinante para muita gente, numa altura em que não existiam blogues nem editoras a cada esquina e as possibilidades de divulgar o que se escrevia eram muito limitadas.

s.m. Os teus livros publicados pertencem, ambos, à categoria de Contos. Como foi a transição de um para o outro?
P.K. Naturalíssima. Tive a preocupação, em ambos os livros, de que existisse alguma harmonia temática e técnica e não apenas colecções um pouco aleatórias de estórias. Para mim, faz sentido que esteja presente determinado conto e outro não, que esta estória surja precedida daquela e não o oposto.

s.m. Podemos esperar um romance ou um livro de poesia para breve?
P.K. Não. A área da ficção breve (chamem-lhe conto, short-story, narrativa curta, estória, tanto faz) é a que me interessa, a médio prazo, porque me permite uma maior liberdade temática e estilística, uma grande diversidade de abordagens e explorações.

s.m. Conta-nos que tal é a experiência de ser um autor reconhecido no mercado livreiro do nosso país.
P.K. Duvido muito que seja um autor reconhecido no mercado livreiro. São publicados quinze mil novos livros cada ano, autores reconhecidos são os que vendem oitenta mil exemplares.

s.m. Sei que recebeste o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco, de 2005, da APE com o teu livro Gastar Palavras. O que sentiste?
P.K. Alegria e incredulidade, principalmente. É o mais prestigiado prémio a que poderia aspirar, na área em que escrevo, e durante umas horas senti-me vagamente importante. Depois, passou. Mas foi uma honra enorme, enorme.

s.m. Como surgiram os títulos Gastar Palavras e Os Mundos que Partilhamos?
P.K. São ambos títulos de estórias presentes nos respectivos livros e que retratam ideias e estados de espírito que pretendi transmitir em determinado momento mas que também resumem alguma da essência de cada um dos livros. No primeiro caso, a escolha (que agora me parece óbvia e insubstituível) foi do meu editor; no segundo, o título “Os mundos separados que partilhamos” foi quase um ponto de partida na construção do livro, uma epígrafe.

s.m. Já tentaste escrever poesia? Dada a tua experiência como escritor posso perguntar-te o que consideras mais complexo - escrever poesia ou prosa?
P.K. Nunca escrevi poesia, não posso saber o que será mais complexo. Também nunca fui um grande leitor de poesia, o que não é obviamente motivo de orgulho; mas também não é nenhuma vergonha.

s.m. Será possível levantar um pouco o véu dos teus projectos futuros para os leitores do Cultura?
P.K. Literariamente? Ainda é cedo, o último livro tem menos de três meses. Tento, a cada conto novo, desafiar-me mais um pouquinho, temática e tecnicamente; superar-me, surpreender-me a mim a próprio. E é isso que pretendo, muito genericamente, para os projectos do futuro: que não sejam, apenas, repetições.

s.m. Qual foi a sensação de ver o teu primeiro livro publicado? O que mudou na tua vida?
P.K. Nada de considerável mudou. Senti que era um sonho concretizado mas, principalmente, o princípio de um percurso, uma nova etapa que começava. Acho que quando se concretiza um grande sonho surge uma espécie de vazio melancólico, perguntamo-nos se a alegria não estaria mais na antecipação, na preparação, na luta, na possibilidade. E esse vazio tem que ser preenchido com um novo sonho, por um novo objectivo.

s.m. Tiveste alguma formação em Escrita Criativa? O que pensas desta "disciplina"?
P.K. Não. Acho que um escritor deve ser, principalmente, um bom leitor (e não só de livros mas também de pessoas, de situações, de silêncios). Deve estar atento, ser observador. E pensar no que vê, no que lê, no que sente. Interrogar-se e desafiar-me. Depois, se adquire ferramentas e metodologias, aqui ou ali, óptimo.

s.m. Em termos literários, acreditas no termo "Inspiração", no termo "transpiração" ou numa simbiose de ambos?
P.K. Resisto um pouco àquelas imagem clássicas e redutoras do artista sofredor, que passa tormentos para arrancar algo de si, ou do iluminado, que magicamente se transforma em mero instrumento de uma qualquer força misteriosa. Há, como é óbvio, uma percentagem de esforço e outra de acaso, de inexplicável. Há reflexão e silêncio, há automatismos que se desenvolvem e aperfeiçoam. Há rotinas e surpresas. Há trabalho e ambição. Há frustração e revolta. Há disciplina e intuição. Há ordem e acidente. Há vaidade e sublimação. O processo criativo parece-me demasiado misterioso e intangível, é um pouco redutor restringi-lo a uma qualquer fórmula.

s.m. Organizas o teu tempo para escrever?
P.K. Nem por isso. Nunca escrevo por obrigação, nem o faço durante muito tempo; mas também me começo a sentir um pouco desconfortável quando passo alguns dias sem escrever. De qualquer modo, para mim “escrever” não se limita ao acto físico da escrita. Há, também, a observação, a especulação, a reflexão, que antecedem e acompanham a escrita propriamente dita.

"Paulo Kellerman mostra uma desenvoltura de temas e de processos, que nos convencem e entusiasmam..." Fernando Venâncio, Expresso
"... Interessa é sublinhar o domínio técnico do estilo de Paulo Kellerman, bem como a singularidade dos enredos que lhe assomam ao papel." Hugo do Vale, MagazineArtes
s.m. Diz-me Paulo, como caracterizas o teu processo de escrita?
P.K. Se por processo se entende o método de escrita, funciona um pouco como dizia há pouco: há na realidade que me rodeia, na leitura, na observação de um quadro qualquer elemento sugestivo que me capta a atenção e me leva a especular, a interrogar, a reflectir; depois, crio uma ficção que me permita suportar e desenvolver essa especulação, essa interrogação, essa reflexão. Basicamente, em cada estória tento colocar questões e, simultaneamente, explorar possibilidades de resposta que não sejam conclusivas mas permitam conduzir a novas questões.

s.m. Os teus livros foram editados pela Deriva Editores. Como foi o processo?
P.K. O editor da Deriva leu alguns contos, gostou, quis publicar. Há coisas que de tão simples parecem mágicas, não é?

s.m. O que pensas das edições de autor?
P.K. Foi por aí que comecei, durante anos publiquei em edições de autor. Até criei uma editora só para mim, que se chamava “Sem Editora”; tudo muito apaixonado, muito utópico. O problema era, como é óbvio, a distribuição. Mas há aqui uma contradição deliciosa: apostamos tudo o que temos e somos na criação, intelectual e material, do nosso livro; mas e depois: que fazemos com ele?

s.m. Qual é a tua opinião em relação ao mundo editorial?
P.K. Não é boa, nada boa…

s.m. Achas que o público, em geral, está mais "aberto" à poesia ou ao romance? E qual será a razão, na tua opinião?
P.K. Suponho que o público, em geral, prefira o que é mais acessível, mais fácil, menos perturbador; procura entretenimento e não que o façam pensar demasiado, que o confrontem consigo mesmo, que o desafiem e questionem. Uma crítica que me fazem com alguma frequência é que ninguém está interessado em ler sobre os problemas que tem que enfrentar no dia a dia, em acompanhar situações ficcionais com que se identifique demasiado.

s.m. Que autores lês frequentemente?
P.K. Nos últimos dois anos, os norte-americanos contemporâneos. Philip Roth, John Updike e Cormac McCarthy, principalmente. Mas também Don Delillo, Joyce Carol Oates, Norman Mailer, Paul Auster.

s.m. Qual foi, até hoje, o(s) livro(s) e/ ou autor(es) que mais te marcou/aram? Porquê?
P.K. Há uma dúzia de anos marcou-me, por exemplo, o Na Patagónia de Bruce Chatwin ou o Barão Trepador de Italo Calvino, no mês passado foi o Austerlitz de W. G. Sebald. Pelo meio há dezenas de outros livros.

s.m. Paulo, que conselho darias a quem sonha retirar da gaveta as suas palavras?
P.K. Que retire, e não pense mais nisso.

Em nome do Cultura agradeço a tua disponibilidade e extrema simpatia. Desejamos que todos os teus projectos se realizem pelo melhor.