quinta-feira, julho 12, 2007

Entrevista a Hugo Cabelo


Hugo Cabelo, natural de Lisboa, tem 26 anos, um livro publicado com o título fascinante "Enxerto Excerto" e uma relação profunda com as palavras. Vale a pena conhecê-lo melhor...

1º Livro Publicado "Enxerto Excerto"

Entrevista:

É um imenso prazer poder contar com as suas palavras aqui no nosso Blogue. Esperamos que com estas questões os nossos leitores o possam vir a conhecer melhor e, quem sabe, para quem ainda não "o" leu, despertar o interesse para o seu trabalho literário.

sandra martins – Que idade tem? Qual é/ foi o seu percurso académico? Qual é a sua profissão?

Hugo Cabelo – Tenho 26 anos, completei o 12º e neste momento sou técnico de informática.

s.m. Quando começou a escrever?

H.C. – Comecei a escrever “a sério” a partir dos 15, encontrei uns escritos mais antigos dos quais não me lembrava, não sei onde os colocar cronologicamente, não me lembro sequer de os ter escrito, mas a letra é minha. O marco foi mesmo os 15.

s.m. Além do livro que apresentamos hoje aqui no Cultura já publicou e/ ou publica, actualmente, noutros suportes? (Quais?)

H.C. – Costumo enviar alguns poemas a amigos por e-mail, ponho outros no meu blog, no myspace, no site luso-poemas e no site varanda das estrelícias e talvez noutros que agora não me lembro.

s.m. Actualmente a Internet é uma importante ferramenta na divulgação de todo o tipo de arte. O que pensa deste mundo? A criação destes suportes foi posterior ou anterior à publicação do seu livro?

H.C. – Neste momento a internet está cheia de informação; saturada. Muitas vezes é difícil achar o que buscamos, no entanto há novas oportunidades, novas maneiras de expor trabalhos que antes não existiam. Como tudo tem o seu lado negativo e positivo, depende do uso que lhe derem. Eu acho que é uma ferramenta importante que reúne a potencialidade de todos os outros tipos de media que conhecemos assim como a possibilidade de encontro de pessoas interessadas num determinado assunto com importantes pontos de vista diferentes (uma vez que reúne gente de todo o mundo, o que implica diferentes culturas). É portanto uma ferramenta de expansão. Relativamente ao meu trabalho foi publicado posteriormente a este “boom” e foi o que me permitiu publicá-lo.

s.m. Com certeza já terá recebido boas críticas em relação ao seu trabalho literário. Como se sente perante as palavras dos seus leitores e críticos?

H.C. – Recebi umas poucas e pouco objectivas, mas é sempre gratificante uma crítica positiva (ainda não recebi nenhuma negativa... cá me estou a preparar).

s.m. Qual foi a sensação de ver o seu primeiro livro publicado? Trouxe mudanças?

H.C. – A primeira sensação foi de euforia, porque já tinha tentado antes (concursos, editoras, etc.), mas depois tornou-se um processo penoso (pelo menos no meu caso) e demorado. Uma vez que a editora do meu livro é do Porto não houve um acompanhamento tão próximo como queria. Sou extremamente controlador, aliás, umas das primeiras perguntas que fiz à editora foi se tinha também o controlo artístico da capa (felizmente recebi um sim). As mudanças são ainda muito subtis, mas existem! Estou a deixar passar um tempo nem sei bem para quê, talvez para a obra se fixar onde quer que seja o seu lugar. Estou ansioso por editar outro, mais organizado, tenho muito material espalhado pelo quarto.

s.m. Então aventurou-se no mundo dos Concursos Literários...
H.C. – Sim, o meu primeiro foi na escola Ferreira de Castro em Oliveira de Azeméis do qual recebi uma menção honrosa (deve ter sido pelo exagero uma vez que enviei quatro livros se não me engano. Concorri também ao prémio de poesia Cesário Verde realizado pela Câmara de Oeiras (mais perto de onde vivo, o meu Concelho).

s.m. Conte-nos que tal é a experiência dentro da barriga do monstro livreiro do nosso país.

H.C. – Não foi! Acho que ainda não me apercebi do que se está a passar, se é que se está a passar alguma coisa.

s.m. Como surgiu o título do seu livro “Enxerto Excerto”?

H.C. – Até este momento estava no segredo dos deuses... Este livro foi compilado com excertos da minha obra pessoal para o concurso Cesário Verde e é um enxerto de mim, nada mais simples. Há outras “forças” na escolha do título, nomeadamente o jogo das duas palavras semelhantes, há também outros significados que vou atribuindo ou desmistificando em diferentes alturas. Muitas vezes não são tão simples como a explicação anterior.

s.m. Fale-nos um pouco da sua obra.

H.C. – Não sei bem como responder a esta, talvez a possa definir como poesia catártica. Cada um interpreta de maneira diferente, não quero condicionar essa interpretação.

s.m. O que considera mais complexo - escrever poesia ou prosa?

H.C. – Numa música de Wordsong Pessoa (Uma Nova Espécie de Santo) ouve-se repetidamente: “Só a prosa é que se emenda (...) Nós não falamos em prosa, falamos em verso, em rima (...) falamos sim em verso, em verso natural”. Comparando o meu processo com aquele que acho que é o processo da prosa, acho a poesia penosa em termos de sentimento, talvez a escrita da prosa também o seja. Hoje em dia não há aquela regra rígida do soneto e outras formas, nem necessidade de rima. Acho que ambos são complexos, talvez de maneiras diferentes.

s.m. Teve formação académica em Escrita Criativa? O que pensa desta disciplina?

H.C. – Não tive. O que penso, bem, para algumas pessoas deve resultar. O meu processo criativo é diferente, não é imposto, surge, aliás, urge, grita em mim e tenho que o vomitar. Se me fosse proposto um tema teria que ser um com o qual tenho alguma afinidade e que me provoque.

s.m. Em termos literários, acredita no termo "Inspiração", no termo "Transpiração" ou na sua simbiose?

H. C. – Sim, acredito. Talvez a minha definição desses termos seja diferente.

s.m. Sente necessidade de organizar o seu tempo para escrever?

H.C. – Acho que não conseguia marcar horas na minha agenda para escrever, não o faço como uma rotina, é um impulso, uma necessidade, não é raro refugiar-me numa casa de banho sossegada para escrever, preciso de me retirar. Se estiver num sítio apinhado de gente, então recorro ao que me pode dar mais privacidade... neste caso o privado. Eu sei que é uma ideia um pouco perturbante até, mas é a minha urgência em escrever que me faz tomar essa atitude. Se não conseguir “fugir” para lado nenhum não tenho problemas em sacar do meu bloco e caneta (que me acompanham para todo lado) e desatar a escrever, às vezes até em transportes públicos. As palavras gritam no meu cérebro, há dias em que a tempestade de sinapses é tão grande que acho que se tivesse oportunidade de ficar num quarto fechado por um dia escrevia um livro de uma assentada só.

s.m. Como caracteriza o seu processo de escrita?

H.C. – Urgente, gritante, fisiológico.

s.m. O seu livro foi editado pela Corpos Editores. Como foi o processo?

H.C. – Não tive cérebro para analisar o processo, foi um pouco estranho, tanto as coisas corriam a mil como estagnavam. Andei entre os pólos da ansiedade e a total calma. Em relação à Corpos, na altura brami aos céus pela oportunidade, mas também os condenei, por mera culpa minha. Não me apercebi que seria considerado uma edição de autor, nunca me foi apresentado como tal. Espero que a editora cresça e invista na distribuição e apoio aos autores e na divulgação. Com os meios que têm já fazem muito, mas precisam fazer mais, desenvolver os meios para isso, crescer. Ou talvez não seja esta a filosofia da Corpos.

s.m. O que pensa das edições de autor?

H.C. – Depende da intenção do autor. Se eu quiser editar um livro para familiares e amigos é uma boa solução. Se o autor quer editar e não encontra outra forma, então ainda bem que existe este tipo de edição.

s.m. Qual é a sua opinião em relação ao mundo editorial?

H.C. – Esta é meramente a minha opinião e talvez mude um dia, mas para mim é um mundo de cunhas, assim como tudo. Infelizmente é assim que vejo. Depois temos as brechas, onde outras oportunidades espreitam, em que se luta e por vezes se consegue.

s.m. Acha que o público, em geral, é mais sensível à poesia ou ao romance? E qual será a razão?H.C. – Em geral, romance, sem dúvida. É mais objectivo, sequencial, contínuo... A poesia é mais subjectiva, isto deve fazer alguma confusão. Também há romances complicados!

s.m. Que autores lê frequentemente?

H.C. – Não sei! Sinceramente.

s.m. Qual foi, até hoje, o(s) livro(s) e/ ou autor(es) que mais o marcaram? Porquê?

H.C. – Esta é difícil, puxa pela memória, espero não ser injusto comigo e com os livros que amo: "Ensaio Sobre a Cegueira", José Saramago – Porque me arrepiou na primeira página e o desenrolar não decepcionou. "Cão Como Nós" – Manuel Alegre – Foi o primeiro livro a fazer-me chorar ao ponto de não conseguir ver as letras do livro (ainda por cima no autocarro!!!) "A Espuma dos Dias" – Boris Vian – Simplesmente surreal!"1984" e "O Triunfo dos Porcos" – George Orwell – Uma visão do que pode acontecer, de como pode acontecer. Uma chamada de atenção."Os Cavalos Também se Abatem" – Horace Maccoy – Este não vou justificar, gostei, pronto!E fiquemos por aqui.

s.m. Qual é, na sua opinião, o/a artista português(a) – das mais variadas vertentes artísticas - que merece, da sua parte, maior admiração pelo trabalho desenvolvido em prol da Cultura Portuguesa?

H.C. – Todos os que conseguem fazer chegar uma mensagem importante às massas.

s.m. Qual é a sua opinião em relação à divulgação da Arte em Portugal? E considera que o povo português demonstra um grande interesse pelas diversas formas artísticas nacionais e internacionais?

H.C. – Ainda há muito a fazer, como em tudo no nosso querido Portugal, acho até que regredimos um pouco ou então tenho uma ideia romântica dos tempos idos. Penso também que desvalorizamos os nossos e damos mais importância ao internacional. Basta ver a necessidade que muitos dos nossos artistas têm em vingar lá fora.

s.m. O que nos reserva para um futuro próximo, em termos de criação literária?

H.C. – Não sei, eu sou muito negativo, espero que esteja completamente errado, mas tudo é um pouco turvo.

s.m. Que conselho daria a quem sonha melhorar o seu processo de escrita e, por fim, publicar as suas palavras?

H.C. – Não tenho nenhum conselho específico. Quem escreve com sentimento segue-se a si mesmo, procura; o resto depende da resistência do indivíduo. É exasperante, mas talvez valha a pena.

s.m. Escolha, por favor, um excerto/poema da sua obra e transcreva-o para os leitores do Cultura poderem ter uma antevisão do seu livro.

H. C. Vou escolher um fora do livro que neste momento me diz mais que os que estão publicados:

Vermelho

Em mim e no que me enleia
É tudo vivo, vermelho.
De um sangue tão vivo
Que tudo e todos permeia.

Um vermelho sujo de ira,
Preenchido de raiva
Que apanhei por aí.
Nasce em mim o Sol.

Põe-se em mim o Sol
E o vermelho é vivo,
Tudo é vivo aqui,
Em mim e ao meu redor.

De um vermelho tão doce!
E tão fogoso também!
Como se todo eu tivesse sido posto a arder
E todo eu sou, de repente,
Um sagrado coração.

Nada... Nada...
Nada!
Nada disto sou,
Sou tudo, menos isto!
Isto, emano, irradio.

Acabo por encontrar diminuto
Em evidência por se destacar de tudo
Um quase nada;

E um pouco mais de nada
Eu seria o vazio!

Hugo Cabelo, 17/04/2007

s.m. Publicarei aqui, ainda, um outro do seu livro "Enxerto Excerto":

Olhar Incerto

Resgato memórias de papel rasgado
Tanta utilização, múltiplos significados.
Lembro-me ainda que pode ser errado,
Mas sinto o momento, apesar de passado.

Resgato cada movimento lento
Principalmente nos que me tocaste
Sem intenção; permanece a dúvida.

Nada pode acontecer,
Mas sou tentado
A tentar perceber
Que se tentasse
Poderia receber
De ti, todo o amor
Que busco e sonho.

Cair em malhas de amor secreto.
Talvez não seja um poema de amor
Estou de coração rasgado e aberto
E despejo em letras fingidas de temor,
Escritas a medo sem rasuras
Porque escrevo com intenções puras.

Acredita em cada palavra
Escrita quase a bruto sangue
Que te amo de verdade
E se não é esse sentimento
De ouro e prata
Então não sei o que sinto
E acho-me desafortunado
Por nunca ter amado.

Hugo Cabelo

s.m. Agradeço, em nome do Cultura, a sua simpatia extrema, a sua disponibilidade e interesse pelo trabalho que este blogue tenta fazer a nível da divulgação artística e desejo-lhe muito sucesso e inspiração.

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