quinta-feira, julho 19, 2007

Entrevista a Paulo César


Paulo César despertou para o mundo da escrita muito cedo, aos 13 ou 14 anos. Actualmente, tem 28, um livro de contos editado sob o título "Desencantamentos" e um livro de poesia a caminho. Vamos conhecê-lo um pouco mais...

O 1º Livro publicado (Livro de Contos):

Entrevista:

Caro Paulo, é um enorme prazer poder contar consigo aqui no nosso Blogue. Esperamos que com estas questões os nossos leitores o possam vir a conhecer melhor e, quem sabe, para quem ainda não o leu, despertar o interesse pelo seu trabalho literário.

sandra martins – Que idade tem? Qual é/ foi o seu percurso académico? Qual é a sua profissão?

Paulo César - Tenho 28 anos. Acho que o meu percurso académico foi normal, sem grandes dramas nem brilharetes. Licenciei-me; sou nutricionista de profissão.

s.m. Quando começou a escrever?

P.C. Comecei a escrever aos treze ou catorze anos, não sei bem. Uns pequenos textos, dispersos, sem forma definida mas importantes na altura em que os escrevi.

s.m. Além do livro que apresentamos hoje aqui no Cultura já publicou e/ ou publica, actualmente, noutros suportes? (Quais?)

P.C. Não, nunca publiquei em nenhum outro suporte. Com excepção de uma revista amadora feita e publicada entre amigos, que infelizmente se extinguiu devido à falta de tempo.

s.m. Actualmente a Internet é uma importante ferramenta na divulgação de todo o tipo de arte. O que pensa deste mundo? Noto que não aderiu ao mundo dos blogues. Alguma razão em particular?

P.C. Sem dúvida. O poder da internet é enorme na divulgação das várias actividades artísticas e não tenho nenhum tipo de preconceito em relação à utilização desses meios. Não aderi ao mundo dos blogues porque acho que não tenho nada a dizer. A minha escrita não é propriamente um processo com resultados diários que possam alimentar um blogue. Se os conteúdos não fossem os meus próprios escritos não seria capaz de manter um blogue a falar sobre a minha escrita. Acho que é difícil fazer um site sobre um livro. Um livro é o que lá está escrito e para além de um ou outro comentário ocasional ou de uma entrevista eventual não há grande necessidade de falar sobre ele. Claro que seria uma forma importante de promover um livro mas confesso que não tenho qualquer vocação comercial… Se tivesse um agente que me gerisse a carreira seria ele a tratar disso, como o não tenho não tenho vontade de enveredar por esse caminho.

s.m. Com certeza já terá recebido boas críticas em relação ao seu trabalho literário. Como se sente perante as palavras dos seus leitores e críticos?

P.C. Não recebi muitas críticas e as que recebi, por virem de amigos, são necessariamente favoráveis. Se recebesse outras, dos leitores que compraram o livro, não seriam com certeza tão simpáticas. Gostava de as poder receber. Mas não me queixo das que tenho; mesmo parciais não deixam de ser agradáveis.

s.m. Qual foi a sensação de ver o seu primeiro livro publicado? Trouxe mudanças na sua vida?

P.C. É estranho ver um livro meu na estante de uma livraria. Imaginava-o, mas não esperava que me sentisse assim, com uma estranheza, com uma sensação difícil de descrever, nem boa nem má. Não trouxe qualquer mudança na minha vida, pelo menos ao nível do que é visível. Na minha vida “íntima” fiquei com a sensação de ter arrumado aquilo, aqueles textos, uma parte da minha vida, com uma estrutura que fica. É como se tivesse deixado de ter responsabilidade sobre os textos. Já não preciso de não os perder, de os compilar, de os tentar editar. Estão arrumados!

s.m. Conte-nos que tal é a experiência dentro da barriga do monstro livreiro do nosso país.

P.C. É uma experiência muito neutra. Fiz o livro e consegui que fosse publicado. Não me sinto dentro de um monstro com que tenho de aprender a lidar ou no qual tenho de saber conquistar um espaço meu. Não me preocupo com isso.

s.m. Como surgiu o título do seu livro?

P.C. Não tenho jeito para títulos. Nasceu por necessidade. O livro tinha de ter um nome e este fez sentido, porque é uma palavra que assenta bem em muitos dos textos. Para além disso é uma palavra bonita de ver escrita, desencantamentos, tanto à mão como a computador. E como o livro tem dois textos intitulados Encantamentos não me pareceu totalmente despropositado.

s.m. Descreve-o como um Livro de Momentos. Fale-nos um pouco de “Desencantamentos”, por favor.

P.C. Chamo-lhe um livro de momentos porque os textos tratam de momentos. Deveria ser um livro de contos, mas os contos contam uma história. Este livro é parado. Conta momentos e algumas sensações que lhes estão associadas. Quase sem história. Destas sensações gosto sobretudo da sensação de abandono, de perda, do gélido constatar de que a felicidade pode não ser tão fácil de atingir ou de manter. São doze textos, divididos em três capítulos: Contos de Fadas, Histórias de Abandono e Poço de Silêncio. Quase todas as histórias são histórias de encantar e simultaneamente histórias de abandono. Não felizes, mas não necessariamente tristes.

s.m. Uma vez que já tem experiência posso perguntar: considera mais complexo - escrever poesia ou prosa?

P.C. Prosa. A poesia é livre por natureza. A prosa mesmo que não seja executada como publicável precisa de ser legível. É importante que eu perceba o que lá está escrito, mesmo que seja eu o meu único leitor. Não se pode ignorar um mínimo de estrutura. A poesia é livre e auto-suficiente.

s.m. Teve formação académica em Escrita Criativa? O que pensa desta disciplina?

P.C. Não. Acho que a aprendizagem de escrita criativa nos pode ajudar a ter as ferramentas importantes para um trabalho. Mas acho que a criatividade não se pode ensinar. Não sinto que faça sentido, a menos que se encare a actividade literária como um trabalho, aí sim. Trabalha-se melhor, com maior correcção, suponho e maior sucesso. Mas como algo pessoal, íntimo ou como forma de expressão artística não faz sentido. Acho que a arte se pode construir com as mais débeis das ferramentas. Incomoda-me a ideia de se poder ensinar a escrever com criatividade (é pelo menos isto que a expressão escrita criativa me sugere).

s.m. Em termos literários, acredita no termo "Inspiração", no termo "Transpiração" ou na sua simbiose?

P.C. Mais uma vez depende do que é a escrita para o escritor. Se é trabalho acredito que a Transpiração é um meio muito válido para chegar ao resultado final e que poderá mesmo compensar de forma admirável uma Inspiração difícil. Pessoalmente e uma vez que a escrita é para mim uma necessidade acredito na Inspiração. Como necessidade que é se implicasse Transpiração acho que deixaria de escrever.

s.m. Sente necessidade de organizar o seu tempo para escrever?

P.C. Não o sei fazer. Sou desorganizado por natureza e infelizmente trabalho muito na minha vida profissional. Organizar o meu tempo para escrever era capaz de ser uma boa ferramenta para mim, mas não sei organizar tempos. E acho (preconceito!) que se reservasse uma fatia do meu tempo para a escrita sentava-me à secretária e não sairia nada. Gostava de escrever muito mais, mas não consigo.

s.m. Como caracteriza o seu processo de escrita?

P.C. Uma necessidade. Uma vontade de escrever que pode aparecer em qualquer local e em qualquer momento que aprendi a refrear por óbvias razões profissionais. É um prazer por vezes doloroso. Uma actividade solitária. E implica sempre papel, muito papel e uma caneta de tinta permanente. Para piorar a minha eficiência de escrita não sei escrever directamente ao computador.

s.m. O seu livro foi editado pela Corpos Editores. Como foi o processo?

P.C. O processo foi muito simples. Conheci uma autora publicada pela Corpos. Adquiri o livro dela e senti curiosidade em visitar o site da editora. Encontrei por lá a informação de que era possível enviar os textos por email e que seria possível responderem em cerca de um mês. Achei piada à ideia, que seria interessante saber o que diriam. Assim fiz. Mandei o projecto inicial do livro, responderam a dizer-me que era pequeno demais, juntei então alguns textos e pronto, disseram-me que sim e aqui está o livro publicado.

s.m. O que pensa das edições de autor?

P.C. Acho que são uma forma de colocar à disposição dos leitores obras que poderiam de outra forma ficar para sempre na gaveta. Por isso ainda bem que existem. Mas exigem da parte do autor um pensamento virado para a parte comercial. Porque é sempre necessário perder tão pouco dinheiro quanto possível. É preciso que se esteja disposto a dedicar algum esforço a pensar nessa vertente.

s.m. Qual é a sua opinião em relação ao mundo editorial?

P.C. Parece-me um mundo um pouco cruel, que vive bastante de modas e em que nem sempre é dado o verdadeiro valor ao conteúdo do que se publica. Mas toda a vida é construída assim, não creio que o mundo editorial seja pior do que qualquer outro dos mundos que frequentamos ao longo da vida.

s.m. Acha que o público, em geral, é mais sensível à poesia ou ao romance? E qual será a razão?

P.C. Ao romance. É mais fácil de ler. Existe uma história o que é uma importante componente do entretenimento. É fácil o leitor ser levado por uma boa história ao ponto de devorar um livro de uma ponta à outra. Um livro de poesia é diferente. É preciso ler aos poucos, permitir pausas para se transpirar bem o que se acabou de ler. Para além disso tem aquela maçada das coisas pessoais, dos sentimentos que não estamos preparados para ler, porque neles podemos reconhecer os nossos – algo universalmente reconhecido como verdadeiro incómodo.

s.m. Paulo, já se aventurou no mundo dos concursos literários?

P.C. Sim, participei em um ou dois, sem sucesso nenhum.

s.m. Que autores lê frequentemente?

P.C. Vários, leio de tudo e releio o que me mais me agrada. Destaco António Lobo Antunes, José Saramago, Mia Couto, Al Berto, Raul Brandão e Mário de Sá-Carneiro.

s.m. Qual foi, até hoje, o(s) livro(s) e/ ou autor(es) que mais o marcaram? Porquê?

P.C. Alguns dos meus livros favoritos: O Medo – Al Berto; Drácula – Bram Stoker; Poemas Completos – Mário de Sá-Carneiro; Terra Sonâmbula – Mia Couto; Todos os Nomes – José Saramago. O livro que realmente mais me marcou foi A Morte do Palhaço e o Mistério da Árvore de Raul Brandão. Foi uma leitura violentíssima da minha adolescência que me pôs em contacto com uma forma de ver o mundo que me diz muito, com os pequenos dramas pessoais, com a mesquinhez e com a felicidade de possuir algo imaginário e onírico a que nos poderemos agarrar quando tudo o resto falhar, porque falhará certamente. Gosto dessa sensação de impotência perante a vida, de pequenez… Mas há outros livros do mesmo autor de que gosto particularmente: Húmus e O Avejão.

s.m. Qual é, na sua opinião, o/a artista português(a) – das mais variadas vertentes artísticas - que merece, da sua parte, maior admiração pelo trabalho desenvolvido para a divulgação da Cultura Portuguesa?

P.C. Creio que José Saramago pela dimensão da sua obra e do seu prémio. Pena é que para que tal aconteça alguns fiquem mais remetidos à sombra como o António Lobo Antunes ou que outros como Al Berto, Fernando Pessoa ou Vergílio Ferreira por já terem morrido não possam alcançar maior visibilidade.

s.m. Qual é a sua opinião em relação à forma como a Arte é vista no nosso país? E considera que o povo português demonstra um grande interesse pelas diversas formas artísticas nacionais e internacionais?

P.C. Creio que o povo português não se habituou ainda a conviver com a Arte. Mas felizmente o panorama começa a alterar-se. Existe hoje uma grande oferta cultural que está extremamente disponível a quem dela quiser usufruir. É um começo. Falta depois a educação que permitirá maior exigência na escolha mas que só poderá vir depois. Há muitos espectáculos. A qualidade de muitos deles é duvidosa. Mas acho que é bom que as pessoas se habituem a ver. Mesmo os maus espectáculos. Só com a habituação poderá vir a escolha consciente do que se quer mesmo ver.

s.m. O que nos reserva para um futuro próximo, em termos de criação literária?

P.C. Tenho um livro de poesia preparado que enviei para um daqueles concursos literários de que falei atrás. Não sei o que espero. Talvez coragem para o submeter à consideração de uma editora para publicação. Não sei. É complicado o processo de envio. Há uma espécie de inércia que me torna fisicamente dolorosa a acção de anexar ao texto de email o documento e de o enviar.

s.m. Que conselho daria a quem sonha melhorar o seu processo de escrita e, por fim, publicar?

P.C. Não sei se serei grande conselheiro mas acho que o importante é escrever. Quilómetros de linhas, resmas de papéis ou infindáveis documentos de texto (para os não conservadores). Escrever é o fundamental. E nos intervalos (necessários; escrever também cansa) ler, ler muito.

s.m. Escolha, por favor, um excerto da sua obra e transcreva-o para os leitores do Cultura poderem ter uma antevisão do seu livro.

P.C. São também as articulações que se deformam e as mãos que começam, há dias piores do que os outros, a atrapalhar mais do que a ajudar, é a casa que já não está tão limpa como antigamente, todas as salas fechadas com os móveis cobertos por lençóis, que é por causa do pó, só o quarto, a cozinha e a casa de banho estão abertas, para uma mulher só chegam perfeitamente, nem era preciso tanto, é a roupa preta a envelhecer, a ficar esbranquiçada pelo uso e pelas lavagens consecutivas, o cabelo branco que vai cheirando a ranço porque já não se atreve a lavar a cabeça, com medo das constipações, e se uma constipação se agrava nesta idade uma pneumonia é o cabo dos trabalhos, e o resto, os problemas de bexiga que lhe vão impregnando o corpo e a roupa com um cheiro a urina. À noite a solidão exagera-se, no silêncio da casa vazia, meio fechada, com os móveis cobertos de lençóis brancos, a parecerem fantasmas. Mas não são estes que a assustam mais, são os outros, as suas recordações, a idade a assombrá-la nas horas que leva até lograr dormir, naquela tremideira constante, a presença permanente da noção de que a morte pode aparecer a qualquer momento a levá-la, tem medo, não sabe o que a agarra à vida mas não quer morrer, disso tem a certeza. De terço na mão passa as infindáveis horas a rezar em frente a um cristo de marfim crucificado numa cruz negra de pau-santo com incrustações de madrepérola. O cristo de marfim pintado sangra tinta das cinco chagas e não lhe responde, suspenso da cruz permanece de olhos fechados, talvez não a oiça. Só assim consegue esperar algum sono, os medos desvanecem-se ao desfiar a mesma ladainha vezes sem conta até lhe pesarem as pálpebras e tomar o sentido da cama, dos lençóis, dos cobertores e do travesseiro e não pensar, nem sonhar, até o sol lhe entrar pelo quarto manhã cedo.


s.m. Agradeço, em nome do Cultura, a sua enorme disponibilidade, a sua simpatia, a humildade e o elevado interesse pelo trabalho que este blogue tenta fazer a nível da divulgação artística e desejo-lhe muito sucesso e inspiração.