domingo, setembro 30, 2007

Ana Ferreira


Entrevista à escritora Ana Ferreira (Livro de Prosa Poética - Coisas de Nada)

sandra martins - É um imenso prazer poder contar com as suas palavras aqui no nosso Blogue. Esperamos que com estas questões os nossos leitores a possam vir a conhecer melhor e, quem sabe, para quem ainda não a leu, despertar o interesse para o seu trabalho literário.

Que idade tem? Qual é/ foi o seu percurso académico? Qual é a sua profissão?

A.F. Olá a todos! Tenho 46 anos, actualmente trabalho na área de atendimento de um organismo privado de utilidade pública e acabo em Novembro deste ano o Curso Superior de Psicologia do Ismai, assim que entregar o projecto final de Curso.

s.m. Quando começou a escrever?

A.F. Penso que pouco depois de aprender a ler, isto é, quase desde sempre. A minha forma de expressão sempre passou pela escrita e pelo desenho.

s.m. Além do livro que apresentamos hoje aqui no Cultura já publicou e/ ou publica, actualmente, noutros suportes? (Quais?)

A.F. Em termos de livros publicados, Coisas de Nada é o primeiro.

Anteriormente publiquei contos e crónicas no Jornal de Notícias e em algumas revistas dispersas. Colaborei da mesma forma com a revista Saúdinha, editada em tempos pela Administração Regional de Saúde – Norte.

s.m. Actualmente a Internet é uma importante ferramenta na divulgação de todo o tipo de arte. O que pensa deste mundo? Aderiu ao mundo dos blogues. Alguma razão em particular?

A.F. É um mundo curioso e apetecível, na medida em que possibilita o livre acesso às mais diversas formas de pensar sem que nos obrigue a parar e aderir instantaneamente aqui ou ali. Alguns dizem que escrevem para o ciber espaço porque querem ser lidos e ouvidos por quem quer que passe, outros afirmam que o prazer está em escrever para si próprio, como se de outro se tratasse, um querido diário lançado livremente para o espaço, sempre com a possibilidade de resgatar os conteúdos, revisitar a publicação, barbeirar um ou outro adjectivo, de um modo não possível em qualquer outra publicação.

s.m. Com certeza já terá recebido boas críticas em relação ao seu trabalho literário. Como se sente perante as palavras dos seus leitores e críticos?

A.F. Tenho recebido críticas excelentes e confesso que não estava à espera, pelo menos em termos da quantidade de boas opiniões, bons sentimentos àcerca desta minha escrita. Como me sinto? Mais completa ;)

E particularmente feliz quando os leitores fazem a apreciação dos meus textos pelo lado que eu pretendi que apreendessem: uma escrita tornada simples de onde se libertem diversos níveis de leitura e expressão.

s.m. Qual foi a sensação de ver o seu primeiro livro publicado? Trouxe mudanças na sua vida?


A.F. :) O grande, enorme entusiasmo, foi durante a preparação: a concretização de um sonho de muito tempo, todos os preparativos que me aproximaram passo a passo de um desejo antigo... foi muito bom. Quanto a mudanças na minha vida, um maior reconhecimento da minha escrita e o reforço da vontade de seguir adiante, para novas incursões no universo literário.

s.m. Conte-nos que tal é a experiência dentro da barriga do monstro livreiro do nosso país.

A.F. Nada boa, diga-se. Em Portugal tudo se publica e nada é publicável. É muito complicado conseguir abrir a brecha inicial na barrriga livreira: “neste momento não estamos a aceitar...”, “não se coaduna com a linha editorial”, são respostas correntes. Pior ainda, muitos editores nem se dignam responder, não sabem onde guardaram os originais, dão-se ao luxo de ignorarem a correspondência a solicitar informações sobre a apreciação das obras... depois aparecem na ribalta aqueles exemplares de boa literatura: - “Eu Carolina, blá, blá,blá” e outros que tais... é um bocado irritante!

s.m. Como surgiu o título do seu livro “Coisas de Nada”?

A.F. Surgiu por antítese às “grandes coisas” dos telejornais, das 1ªs páginas dos diários, de tudo aquilo que se ventila como se de vida a sério se tratasse. Quis fazer focagens rápidas sobre as vidas que se desenrolam todos os dias, sem anúncio e sem protagonismo.

s.m. Descreve-o como uma Colectânea de Retratos Escritos. Fale-nos um pouco de “Coisas de Nada”, por favor.

A.F. Por norma, gosto de passear entre as pessoas e interrogar-me sobre o que estará por trás de uns olhos, atitudes, gestos, posturas corporais. Acho curioso “dissecar” esses aspectos e, quando estes me chamam a atenção, observar e ouvir de todas as formas as vidas que se escondem (melhor ou pior) atrás desses traços oferecidos ao olhar exterior.

É um exercício de paciência sintetizar a essência dos sujeitos em meia dúzia de traços fulcrais, a planta e o alçado de cada pessoa, dados através de curtas descrições de um momento exacto onde os sujeitos se desfazem da máscara de todos os dias.

Ao invés de longas descrições, gosto de procurar, como se de fotografia se tratasse, o close-up, o zoom daquele momento exacto em que o ser humano se revela (mesmo que não queira).

s.m. Ana, considera mais complexo - escrever poesia ou prosa?

A.F. O nível de complexidade é semelhante: poesia e prosa são equações de termos diferentes, só isso.

s.m. Teve formação académica em Escrita Criativa? O que pensa desta disciplina?

A.F. A minha formação académica não passou pela escrita criativa. Acho uma disciplina interessante. A criatividade, como tantas outras coisas, é muitas vezes uma questão de prática e as oficinas deste tipo , se devidamente orientadas, podem revelar-se ferramentas excelentes para explorar o potencial criativo e motivar mudanças.

s.m. Em termos literários, acredita no termo "Inspiração", no termo "Transpiração" ou na sua simbiose?

A.F. Primeiro a inspiração, depois a simbiose de ambas. O texto perfeito nasce do verso perfeito e do posterior trabalho sobre esta inspiração.

s.m. Sente necessidade de organizar o seu tempo para escrever?

A.F. Sinto necessidade de um tempo para reflectir sobre a minha inspiração. Não tenho hábitos e horários rígidos de escrita, vou anotando aqui e ali. Quando o pensamento já se estrutura para além das pequenas linhas, parto então para a consistência dos grandes detalhes.

s.m. Como caracteriza o seu processo de escrita?

A.F. Constante. Como quem respira. Os dias servem inteiros para observar os sentimentos e sobretudo as pessoas. Faço muitos exercícios de escrita automática, agrada-me o processo. Depois exploro essa escrita, depurando excessos, procurando a melhor palavra, a expressão exacta, sem excesso, nem rateio. Escrever, mais do que um dom, é uma necessidade e um prazer. de quem vai recolhendo pequenos zooms. Gosto de começar pelo sorriso e continuar explorando a expressão do olhar...

s.m. O seu livro foi editado pela Corpos Editores. Como foi o processo?

A.F. Simples. Enviei o original, que foi lido e aceite com brevidade; acertamos pormenores de edição; pude participar na elaboração da capa, na qual optei por incluir a reprodução de uma gravura feita por uma amiga, muito de acordo com o espírito do livro. Foi tudo agradavelmente simples e claro.

s.m. O que pensa das edições de autor?

A.F. Num país onde a máquina editorial funciona da maneira que sabemos, as edições de autor são muitas vezes a única possibilidade de mostrar um escritor e uma escrita de qualidade, que de outro modo, ficariam no arquivo dos ilustres e incompetentes desconhecidos. Que o digam Saramago e tantos outros que assim começaram.

s.m. Qual é a sua opinião em relação ao mundo editorial?

A.F. Frequentemente “outros interesses maiores se levantam”, além da qualidade. É triste!

s.m. Acha que o público, em geral, é mais sensível à poesia ou ao romance? E qual será a razão?

A.F. Há público para as duas vertentes. A poesia necessita de outra atenção, outra disponibilidade de recursos imagéticos e reflexivos de que o romance prescinde com mais facilidade.

s.m. Ana, já se aventurou no mundo dos concursos literários?

A.F. Ainda não. Terminei há pouco um livro de ficção juvenil (em parceria com uma amiga) e estamos a pensar seriamente em enveredar por aí, à procura de publicação. Veremos...

s.m. Que autores lê frequentemente?

A.F. Nos últimos três anos tenho lido essencialmente autores relacionados com Psicologia, Psicoterapias, Teorias da Comunicação.

O meu primeiro autor de referência foi talvez Charles Dickens, que comecei a ler por volta dos 12 anos.

s.m. Qual foi, até hoje, o(s) livro(s) e/ ou autor(es) que mais a marcaram? Porquê?

A.F. Oliver Twist, de Charles Dickens – lido pela 1ª vez aos 12 anos e relido várias vezes ao longo do tempo; O retrato de Dorian Gray – fabulosa, a ideia de possuir um retrato que envelhece enquanto o seu modelo se vai mantendo aparentemente jovem, interessante, num percurso contra natura ao longo dos anos; a Metamorfose, de Kafka (que faria qualquer um de nós se ao acordar se visse fisicamente transformado em insecto?)

s.m. Qual é, na sua opinião, o/a artista português(a) – das mais variadas vertentes artísticas - que merece, da sua parte, maior admiração pelo trabalho desenvolvido para a divulgação da Cultura Portuguesa?

A.F. Mário Cesariny, Herberto Helder, Almada Negreiros, Vieira da Silva, Cargaleiro, , João Paulo Seara Cardoso e o Teatro de Marionetas do Porto, António Lobo Antunes e muitos outros.

s.m. Qual é a sua opinião em relação à forma como a Arte é vista no nosso país? E considera que o povo português demonstra um grande interesse pelas diversas formas artísticas nacionais e internacionais?

A.F. Acredito que o povo português possui grande interesse nas diversas formas de arte, o que falta, talvez, é uma maior acessibilidade (nos seus diversos aspectos) a exposições, livros, teatro, cinema de qualidade. Se porventura reside por ex., na área de Lisboa ou mesmo até no Porto, experimente ir pelo menos uma vez por semana ao teatro, ao cinema, a uma exposição de qualidade. Depois passe pela livraria mais próxima e compre um livro. No final da semana faça as contas. Nada fácil para o geral da população, criar e manter o gosto pela cultura que se mostra tão dispendiosa no geral. Isto já para não falar das pessoas que estão fora dos grandes centros urbanos e que, por defeito, não têm acesso a nada, culturalmente falando.

s.m. O que nos reserva para um futuro próximo, em termos de criação literária?

A.F. A ficção juvenil, que espero concretizar/publicar em breve, novos livros de prosa poética e um romance sobre a solidão e os afectos reinventados. A ideia surgiu-me com mais intensidade depois de ver o filme “Punch Drunk Love”, que recomendo.

s.m. Que conselho daria a quem sonha melhorar o seu processo de escrita e, por fim, publicar?

A.F. Ainda que inicialmente só para ti, ainda que apenas apontamentos passados de mão em mão entre os amigos... não pares, não canses, não descanses.

s.m. Escolha, por favor, um poema da sua obra e transcreva-o para os leitores do Cultura poderem ter uma antevisão do seu livro.

A.F. Vou apenas transcrever um excerto de uma das obras de Jostein Gaarder, que serve de introdução ao meu livro:

“Recordo-me que costuma voar sobre a cidade.

Via todas as casas lá do alto e podia escolher livremente onde descer para observar à vontade os interiores...

... olhando pelas janelas, observava como viviam as pessoas...”



s.m. Agradeço, em nome do Cultura, a sua disponibilidade e interesse pelo trabalho que este blogue tenta fazer a nível da divulgação artística e desejo-lhe muito sucesso.