quinta-feira, julho 26, 2007

Entrevista a Miguel Nogueira

O 1º Livro Publicado:O 2º Livro Publicado:
Entrevista:

É um imenso prazer poder contar com as suas palavras aqui no nosso Blogue. Esperamos que com estas questões os nossos leitores o possam vir a conhecer melhor e, quem sabe, para quem ainda não o leu, despertar o interesse para o seu trabalho literário.

sandra martins – Que idade tem? Qual é/ foi o seu percurso académico? Qual é a sua profissão?

M.N. Tenho 21 anos. Fiz a escola secundaria até ao 9º ano, mas depois apercebi-me que precisava de algo diferente, uma área diferente que o ensino regular não me podia oferecer, e sendo assim estou neste momento no meu 3º ano, prestes a completar um curso profissional de nível III de Audiovisuais. Dado que o meu sonho é seguir cinema, mais concretamente realização, pretendo continuar os estudos depois de completar o curso. São estas as minhas duas paixões: escrever e cinema. Apenas e só estudante.

s.m. Quando começou a escrever?

M.N. Comecei a escrever aos meus 15 anos, depois de uma típica desilusão amorosa à “teenager”. Primeiro poesia, e com o tempo fui alargando um pouco mais, chegando a escrever pequenos contos de fantasia, reflexões sobre a vida e a sociedade na qual nos inserimos. E agora com alguma experiência, por assim dizer, tento escrever o meu primeiro romance, e tento aliar a minha escrita a outras formas de arte.

s.m. Além dos livros que apresentamos hoje aqui no Cultura já publicou e/ ou publica, actualmente, noutros suportes? (Quais?)

M.N. Para já apenas podem encontrar o “Fragmentos de Ninguém” e o “Lua Morta”. Mas espero em breve poder me exprimir artisticamente de outras formas, tais como BD, e argumentos para curtas-metragens que eu próprio realizo e faço a sua edição/montagem. E procuro sempre não ter apenas só a palavra, mas sim algo mais.

s.m. Actualmente a Internet é uma importante ferramenta na divulgação de todo o tipo de arte. O que pensa deste mundo? Noto que não aderiu ao mundo dos blogues. Alguma razão em particular?

M.N. A Internet é uma poderosa ferramenta para alcançar muitos meios, através dela partilhamos informações, partilhamos histórias, conhecemos pessoas de qualquer canto do mundo. Além de que podemos fazer mil e umas coisas comodamente em casa, não sei se isso será bom ou não, mas que nos torna um pouco mais sedentários e mais dependentes das novas tecnologias, também é uma verdade. Não podemos criticar muito porque tudo tem os seus lados positivos e negativos. Não existe qualquer razão especial para não ter criado um blogue, acho que nunca me dei ao trabalho de criar um, talvez depois desta entrevista…

s.m. Com certeza já terá recebido boas críticas em relação ao seu trabalho literário. Principalmente porque já publicou duas obras. Como se sente perante as palavras dos seus leitores e críticos?

M.N. É sempre bom receber elogios, mas prefiro receber críticas construtivas. Ouvir muitos elogios, penso que faz com que me acomode, faz-me parecer que cheguei a um patamar onde posso relaxar, e não quero isso. Gosto de discutir, ouvir novas ideias, formas de melhorar, e isso que me move, que me faz sempre querer mais e melhor quando escrevo. Encontrar uma maneira de chegar a um público mais vasto.

s.m. Qual foi a sensação de ver o seu primeiro livro publicado? Trouxe mudanças na sua vida? E o segundo?

M.N. Para ser sincero fiquei muito mais entusiasmado com a publicação do meu segundo livro. Com o primeiro foi um pouco do género “ok consegui, agora tenho de fazer melhor”, fiquei contente como é óbvio, porque apesar de tudo para a Corpos ter apostado em mim e porque algum talento haveria de ter. Com o segundo, senti-me mais realizado, mais orgulhoso, envolvi-me mais no desenvolvimento e sua apresentação. E também por motivos pessoais e desenvolvimento artístico, sinto-me mais “preso” ao “Lua Morta”. Em termos de mudanças, é sempre bom irmos a uma livraria, ver um livro nosso na estante. Tudo continua igual, os mesmos objectivos, o mesmo Miguel.

s.m. Conte-nos que tal é a experiência dentro da barriga do monstro livreiro do nosso país.

M.N. É um pouco complicado, dado que as editoras normalmente apostam já em nomes conhecidos, nomes que podem trazer pelo menos algum lucro. Torna-se uma luta conseguir levar as palavras a pessoas que desejam ler, desejam algo novo e diferente. Penso que o grande problema é que Portugal e o seu atraso de mentalidades, vive ainda muito agarrado ao passado. Primeiro que algo mude e evolua é um longo caminho a percorrer. Então o “Português” complica sempre o que é tão fácil de fazer. Para novos talentos é muito difícil alcançar algum reconhecimento, porque simplesmente não se aposta, prefere-se sempre jogar pelo seguro das velhas glórias.

s.m. Como surgiram os títulos dos seus livros?

M.N. O título do primeiro livro “Fragmentos de Ninguém”, apareceu de forma simples, como foi o meu primeiro livro quis um título que ilustrasse cada poema nele inserido. Como eu sinto que cada leitor se pode identificar com pelo menos um ou dois poemas, quis um titulo que não agarrasse o livro apenas a mim, mas sim a todos que o lessem, ou seja, cada poema é um momento, uma pequena história resumida, são fragmentos de situações e pensamentos meus, mas também desejo que cada leitor sinta as minhas palavras e as possa tomar, como sendo deles. Assim nasceu “Fragmentos de Ninguém”, não são só meus, não são de ninguém, são de toda a gente que queira tomar como seus. O título “Lua Morta” é um pouco mais pessoal, e também reflecte o caminho que tomei para a minha escrita, que se tornou um pouco mais mórbida e gótica, mas mantendo sempre o corpo do livro anterior, mas mais negro.

s.m. Fale-nos um pouco de cada uma das suas obras.

M.N. Os dois livros são bastante similares, vario sempre os assuntos e o objecto poético. O primeiro foi um agrupamento de momentos e reflexões que passei para o papel desde os meus 15 anos, e escolhi aqueles que achei que me davam melhor a conhecer ao público. O segundo tornou-se mais pessoal e pude brincar um pouco mais, arrisquei um pouco mais enveredando por uma escrita mais negra e “decadente”, com toques do surreal e abstracto, e criticas sociais. Os dois mostram o meu “Eu”, os meus sentimentos e forma de pensar, são muito pessoais, mas não tive medo de os revelar já que tenho a certeza que muita gente sente o mesmo, e mesmo que não sinta o importante é que entenda, que passe a sentir algo.

s.m. Uma vez que já tem experiência posso perguntar: considera mais complexo - escrever poesia ou prosa?

M.N. Para mim nem uma nem outra, depende do que sinto, daquilo que pretendo transmitir. De como quero expor as minhas palavras, o resto sai naturalmente e no fim ou tenho uma poesia ou prosa. Não me preocupo muito com regras ou linhas a seguir, o importante é a palavra.

s.m. Teve formação académica em Escrita Criativa? O que pensa desta disciplina?

M.N. Não, nunca tive formação nessa área. Acho que é uma disciplina que pode ajudar bastante o escritor a desenvolver as suas técnicas e formas de contar as histórias que deseja. Acho que a Escrita Criativa ajuda a mexer com a imaginação, a criar, a desenvolver, pode nos ajudar a libertar para conceitos e tramas que pensávamos nunca sermos capazes de visionar e passar para o papel.

s.m. Em termos literários, acredita no termo "Inspiração", no termo "Transpiração" ou na sua simbiose?

M.N. Acredito na “Inspiração”, depois tudo surge naturalmente, a escrita flúi e lá vamos nós criar “pessoas”, “locais”, “sentimentos” etc… Quando um escritor escreve carrega dentro dele várias personalidades, e quando acaba torna-se quase que um nascimento, o escritor volta ao seu “Eu”. Mas antes disso surge a “Inspiração”, a ideia principal, aquele “Bang” que despoleta tudo o resto.

s.m. Sente necessidade de organizar o seu tempo para escrever?

M.N.Todos os dias arranjo tempo para escrever, ando sempre com uma caderno de rascunhos para todo o lado, não saio de casa sem ele, sabe-se lá quando é que a inspiração se vai esbarrar contra nós. Mas normalmente tenho quase um ritual, todos os dias durante a tarde, pelo menos duas horas, vou para um cafezinho calmo e fico lá com os meus livros e caderno, depois à noite na janela ou no quarto.

s.m. Como caracteriza o seu processo de escrita?

M.N. Para a poesia é algo natural, sinto a necessidade de escrever, e escrevo. E a poesia, para mim, é a escrita que consegue contar histórias com pequenas palavras e significar tanto. Em relação a tudo o resto que escrevo, baseio-me sempre em algo antigo, filmes, contos, um quadro, procuro algo, nem que seja uma palavra, uma frase que me faça pensar e de repente aquela frase que mexeu comigo, já parece uma árvore com várias ramificações. Depois vou tentando conjugar as várias ideias e supostas soluções. No final muitas das vezes não tem nada a ver com a ideia original, mas todo o caminho que a ideia percorreu até eu ter finalmente terminado, foi o que a tornou coesa e que me deu entusiasmo ao escrever.

s.m. Os seus livros foram editados pela Corpos Editores. Como foi o processo?

M.N. Foi simples, rápido e eficaz. Acho que a forma mais crua que consigo encontrar para descrever.

s.m. O que pensa das edições de autor?

M.N. São edições para amigos. Ganhamos algum reconhecimento, mas basicamente não passa disso. Todos os dias temos que batalhar para o nosso nome não desvanecer.

s.m. Qual é a sua opinião em relação ao mundo editorial?

M.N. Muita quantidade e pouca qualidade. Parece que anda tudo atrás de dinheiro fácil.

Também a verdade é que ninguém se preocupa, o que importa é ter lá o livrinho.

s.m. Acha que o público, em geral, é mais sensível à poesia ou ao romance? E qual será a razão?

M.N. O público está muito mais aberto a romances, também porque têm muita mais visibilidade, e em termos de marketing estão em clara vantagem. A poesia fica encostada a um canto, no qual poucos se aventuram. É o que a tradição manda, os grandes poetas estão todos mortos.

s.m. Miguel, já se aventurou no mundo dos concursos literários?

M.N. Para já ainda não. Quando tiver algo diferente para mostrar talvez arrisque.

s.m. Que autores lê frequentemente?

M.N. O meu autor favorito sem sombras de dúvidas é Stephen King, acho divinal o livro “Misery”, mas também considero todas as suas obras geniais. A psicologia, o enredo, a maneira como escreve e que nos faz “espumar” pela próxima página é algo soberbo. Mas também gosto bastante de Anne Rice, Nicholas Sparks, John Steinback, Ingmar Bergman, Eça de Queirós, Miguel Torga, Agatha Christie, Paul Auster, Sophia de Mello Breyner Andresen, Antero de Quental, Fernando Pessoa, Howard Phillips Lovecraft, Umberto Eco, Gabriel Garcia Marquez, entre muitos outros.

s.m. Qual foi, até hoje, o(s) livro(s) e/ ou autor(es) que mais o marcaram? Porquê?

M.N. Stephen King – Misery. Simplesmente apaixonei-me, foi o primeiro livro que li deste autor, e acabei por devorar cada página. A psicologia, a dor, as situações, a demência humana que ele descreveu, acabam por tocar no leitor.

s.m. Qual é, na sua opinião, o/a artista português(a) – das mais variadas vertentes artísticas - que merece, da sua parte, maior admiração pelo trabalho desenvolvido para a divulgação da Cultura Portuguesa?

M.N. É uma questão complicada, mas já que tenho de eleger alguém, será então José Saramago, por variados motivos mas o de grande peso é o Prémio Nobel. Apesar de as suas obras não serem exactamente do meu agrado.

s.m. O que nos reserva para um futuro próximo, em termos de criação literária?

M.N. Já tenho material para outro livro de poesia. Também estou a terminar de escrever o meu primeiro romance, e depois disso quero me concentrar na escrita de pequenos contos de fantasia. E entre a escrita, vou-me dividindo a criar BD com argumentos meus e também curtas-metragens.

s.m. Que conselho daria a quem sonha melhorar o seu processo de escrita e, por fim, publicar?

M.N. Primeiro de tudo, ler muito e muito e muito e muito…E inconscientemente vamos absorvendo o que se lemos, acabamos por utilizar técnicas e maneiras mais inteligentes de desenvolvimento, de forma a tornar a leitura mais agradável para o leitor. Mas claro que para tudo é necessário também talento, é preciso saber exprimir-se através das palavras. Publicar é que já se torna mais complicado, acho que tendo talento e com alguma perseverança acabamos sempre por alcançar o que desejamos.

s.m. Escolha, por favor, um excerto/poema da sua obra e transcreva-o para os leitores do Cultura poderem ter uma antevisão da sua escrita.

Louco Social

Entusiasticamente, corres e tropeças, gritas e berras, levantas-te e cais. Atravessas ruas sem medo, um carro passa, quase te desfaz em cacos. O condutor envia palavras insultuosas na tua direcção. Tu não ouves. És um louco social, sem parâmetros nem roupas. És livre e vergonhoso. Torturas cada pessoa da tua vida com teus pensamentos. Pintas os momentos do teu respirar de forma abstracta, e juntas surrealismo à tua casa.

Incendeias vidas, queimas verdades e extingues mentiras com um bafo gelado.

“ Um Louco Social!” – Chamam-te eles.

Mas tu és tu, és um ser certo na tua ideia, do que deve ser a eterna juventude do espírito. Um freguês que consome a morte, olha à sua volta e degenera os elementos.

“Um Louco Social!” – Chamam-te eles

Crias avenidas de liberdade na tua mente, onde entusiasticamente, corres e tropeças, gritas e berras, cais e não te levantas. Os teus joelhos sangram, arrastas os ossos pelo chão. Mas o que te dói mais são as lágrimas de sangue que choras, que te obrigam a chorar, por todos os muros que te erguem em forma de protesto.

“Um Louco Social!” – Chamam-te eles.

Vês o teu retrato quebrado pela idade. Já não corres nem tropeças, já não gritas e berras, agora cais e não te levantas. Um animal amestrado pelas palavras e imagens de hoje em dia.

“Olhem mais um de nós. Um animal feroz, sem dentes nem rugido.” – Dizem eles.

* Poema incluído no livro “Lua Morta”

s.m. Agradeço-lhe Miguel, em nome do Cultura, a sua disponibilidade e interesse pelo trabalho que este blogue tenta fazer a nível da divulgação artística e desejo-lhe muito sucesso nos seus projectos futuros.