quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Memória

Hoje, ainda a tarde não tinha caído completamente, lembrei-me de ti. Não tinhas acordado ainda, pensei. Visualizei o teu rosto, tão suave como a pena de um falcão que corre por entre as muralhas de uma prisão. Estava atrás de ti e os teus longos cabelos negros ondulados pareciam não ter fim. Pareciam, achei, as cordas que me poderiam ajudar a chegar mais perto de ti... Estavas distraída a olhar o horizonte. Também, pensei eu, se tivesse este mar que tu tens, não mais olharia para trás. Mas tu olhaste...olha sempre para trás. Lembra-te que estou aqui.
Pairava, no ar, uma brisa que tocava ambos os rostos. O teu e o meu....o nosso. A imagem que via entristecia-me ainda mais. Tu tentavas escapar-me ainda que imóvel. Tentavas caminhar sobre esse mar calmo que se agitava em ondas revoltas.
Olhaste e viste o meu rosto triste por não ter notícias tuas. Sorri com uma lágrima quando te senti sorri também. O teu longo vestido negro abanava-se agora como quem me chamava. Tentei correr atrás de ti. Continuavas imóvel, ligeiramente curvada para mim, mas não te alcançava. As tuas mãos não eram mãos. As tuas mãos eram raízes que não te libertavam, mas que te davam vida e te alimentavam. E isso fazia-me muito feliz. Gritei para te ouvir, mas o som ecoou dentro de mim e não mais saiu da minha boca. Nessa altura sorriste... sei que não disse nada, mas os teus ouvidos ouviram a minha voz. Nesse momento sorriste e eu amei-te como nunca te tinha amado. Das tuas raízes saíram gotas de água que se sentaram no meu peito e nesse mesmo lugar... No lugar onde estivera o meu coração, nasceu uma flor. Aquela que tu sempre gostaste mais do que todas as outras. Mais do que a mim. Agora éramos o mesmo e assim ficámos, inertes mas eternos.