quarta-feira, maio 16, 2007

João Miguel Henriques

João Miguel Henriques nasceu em 1978. Estudou em Lisboa, Jena e Edimburgo. Vive e trabalha em Lisboa. Estreou-se em 2005 com O Sopro da Tartaruga. Mantém desde 2003 o blogue Quartos Escuros . Podem escrever-lhe para joaoh@mail.pt, onde, para além de declarações de amor ou ameaças de morte, poderão deixar uma morada postal à qual o autor fará chegar exemplares gratuitos da sua obra.

Breve Entrevista

s.m. Qual é a tua formação e experiência profissional? Que idade tens? Quantos livros já editaste até hoje?
J.H. Tenho vinte e nove anos e uma parte significativa da minha vida de responsabilidades passei-a na universidade. Estudei Línguas e Literaturas Modernas na Faculdade de Letras de Lisboa, com um ano pelo meio na Alemanha, na pequena cidade de Jena. Fiz depois um mestrado na Universidade de Edimburgo, na Escócia, e presentemente estou inscrito em Doutoramento, de novo em Lisboa. Pelo meio fui tradutor e também trabalhei cerca de três anos na edição. Editei um livro de poesia, em 2005.

s.m. Tens mais projectos na gaveta?
J.H. Sim, claro. Tenho mais dois livros acabados, um dos quais tem publicação apalavrada com uma editora.

s.m. Como surgiu o título "O Sopro da Tartaruga"?
J.H. O título apareceu-me de maneira repentina como analogia ou imagem de um sentimento de algum desalento e resignação perante a inevitabilidade de certas coisas, a inevitabilidade do tempo, por exemplo. Eu imagino um sopro de tartaruga como algo de muito leve, muito lento, talvez como o último suspiro de um moribundo. Esse é o espírito que subjaz a muitos poemas do livro. O título em si aparece num deles. Para além disso, a tartaruga é um animal bem simpático.

s.m. O que consideras mais complicado? Escrever poesia ou prosa? Porquê?
J.H. Essa é uma pergunta terrível. Mas uma vez que escrevo poesia e não tanto prosa, apesar de alguma prosa curta que vou mostrando no meu blogue, diria que a prosa é um trabalho mais longo e por vezes ingrato. Claro que há poetas, entre os quais não me conto especialmente, que passam a vida a reescrever poemas, vezes sem conta, até à exaustão. Mas quando leio um romance de que gosto e penso na disciplina e empenho que presidiram à sua criação, fico muitas vezes perplexo.

s.m. Qual foi a sensação de ver um livro com o teu nome, publicado?
J.H. Foi um sentimento de alguma libertação. Eu tinha coisas que queria mostrar para que pudesse depois partir para outras. Este livro fechou uma fase da minha escrita e permitiu que as pessoas me lessem. Isso era uma coisa que não tinha acontecido antes do livro.

s.m. Foi difícil editar? Qual foi o processo?
J.H. Editar é sempre muito complicado. Por isso resolvi fazer uma edição de autor, o que em poesia, ao contrário do romance, é perfeitamente normal. Houve editoras que queriam fazer o desonesto negócio do “editamos o teu livro, ficas lá com a nossa chancela, mas tens de comprar um certo número de exemplares a preço de mercado e assim até fazemos dinheiro contigo antes até do livro sair para as livrarias”. Claro que isto dá uma certa vontade de vomitar. Já que era para investir o meu dinheiro, que pudesse então eu próprio imaginar e produzir o meu livro.

s.m. Em termos literários, acreditas no termo "inspiração"?
J.H. Acredito que há momentos de escrita. Eu não sou daqueles que dizem que vivem para a poesia. Não. A minha vida tem muitas outras coisas. A poesia é muito importante, claro. Mas eu não me sento em casa com a obrigação de escrever um poema. Por isso tenho de dizer que acredito na inspiração em termos de uma ideia ou imagem que possa chegar a mim como poética. Mas a materialização do poema em linguagem não depende só da inspiração.

s.m. O que pensas das edições de autor?
J.H. Como disse anteriormente, acho uma óptima forma de editar, à falta de casas sérias que tenham disponibilidade ou interesse para publicar.

s.m. Quanto tempo dedicas à escrita ou é um processo natural?
J.H. Lá está, a escrita tem momentos. Poderia quantificá-los em tempo se os andasse a registar. Mas não ando. Alterando um pouco a formulação da pergunta, diria que a escrita é um processo com alguma naturalidade.

s.m. Como caracterizas o teu processo de escrita?
J.H. É uma pergunta muito importante para quem a responde. Os poetas, quaisquer criadores, deveriam fazê-la de vez em quando. Os poemas surgem muitas vezes quando não estou a escrever. Surgem na cabeça. Às vezes completo-os mentalmente. Assisto a um episódio, ou é-me relatado um acontecimento, e daí posso efabular o seu conteúdo e construir um poema. Por vezes ouço uma formulação verbal que me desperta algo por ser pouco comum, ou muitas vezes por ser extraordinária, e reproduzo-a, desenvolvo-a num poema. Acontece sempre assim mais ou menos como reacção interior, verdadeira ou puramente fictícia, a estímulos exteriores, verbais ou não. Como disse, estou muitas vezes na rua ou com pessoas quando isso sucede. Depois quando fico sozinho, escrevo.

s.m. Já ganhaste algum prémio literário?
J.H. Dois jogos florais na escola. Conta?

s.m. Ao ler o teu livro sinto nele uma fonte plena de onde brota uma serenidade de sentimentos racionalizados. Concordas?
J.H. A escrita pode ter o poder de ordenar as coisas. Pode nascer da confusão, mas quando escrevo e olho para o poema é às vezes possível dizer “pronto, isto é mais ou menos como as coisas se passam, isto é mais ou menos como aquilo aconteceu ou poderia ter acontecido”. Eu tenho uma grande obsessão pela linguagem. E também a respeito muito. Por isso julgo que as palavras podem ser a justa medida daquilo que ainda não está mediatizado pela linguagem. Talvez venha daí essa “serenidade de sentimentos racionalizados”. Nunca me tinham dito isso, e não sou uma pessoa exemplarmente racional. Mas julgo que pode haver alguma verdade nisso.

s.m. Quando começaste a escrever? Alguma razão em particular?
J.H. Comecei a escrever possivelmente com doze ou treze anos. Não consigo dizer porquê.

s.m. Qual é o teu livro preferido?
J.H. É difícil. Tu sabes. Por isso é que perguntas. Talvez O Náufrago de Thomas Bernhard ou O Pêndulo de Foucault de Umberto Eco.

s.m. Que autores lês?
J.H. Presentemente leio muito ensaio por motivos académicos. Bastante poesia neo-realista. Mas Thomas Bernhard e Seamus Heaney são seguramente dois dos autores mais lidos.

s.m. Qual é o teu conselho para quem queira editar?
J.H. Se não encontram editora que esteja interessada no vosso trabalho, façam uma edição de autor e distribuam-na. Não editem um primeiro livro muito grande e apostem no impacto do livro enquanto objecto.

s.m. Na tua opinião quem é ou foi o melhor poeta até aos dias de hoje?
J.H. Em português, apesar de tantas outras predilecções, Camões é o maior cultor da língua, e é um poeta incomensurável. É evidente que o século vinte em Portugal foi extraordinário, mas Camões deu tanto que é impossível fazer-lhe vista grossa. Agora o melhor poeta do mundo, não consigo dizer. Até a designação “o melhor poeta do mundo” soa fantasiosa.

s.m. Escolhe um poema do teu livro "O Sopro da Tartaruga" e explica a razão da tua escolha.
J.H.
Neste momento escolho o poema “Rendido” (pg. 52). É que nele tento descrever exactamente o que me está a apetecer agora.

Agradeço a disponibilidade e os sorrisos. Transcrevo, em seguida, o teu poema para que os leitores do Cultura possam ver o magnífico poeta que és... ;-) e... boa sorte para os teus projectos futuros!

Rendido

apenas o meu corpo
agarrado à tua pele
nada mais que os teus braços
atravessados sobre mim
quase transparentes

a vida sempre assim
a vida inteira sempre jovem
rendido apenas
rendido
nada mais

in O Sopro da Tartaruga de João Miguel Henriques [pág. 52]