quarta-feira, maio 23, 2007

Luís Filipe Cristóvão

Registo de Nascimento de Luís Filipe Cristóvão [Editora LivroDoDia]


Luís Filipe Cristóvão, nasceu a 24 de Fevereiro de 1979 em Torres Vedras. Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas e pós-graduado em Teoria da Literatura pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, é sócio-gerente da Livrododia Editores e Livreiros. Publicou Registo de Nascimento (poesia, 2005) e Pequeña antologia para el cuerpo (poesia, Espanha, 2007). No prelo está E como ficou chato ser moderno, mais um volume de poemas. É, ainda, director da Revista Literária Sítio, uma publicação semestral.



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Breve Entrevista:

s.m. Olá Luís. Em primeiro lugar quero agradecer a tua disponibilidade pois sei que és um homem bastante ocupado. :) Comecemos, portanto... Que idade tens? Qual é/ foi o teu percurso académico?

l.f.c. Depois de ter feito os estudos secundários em Torres Vedras, fui para Lisboa, onde me licenciei em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Portugueses e Franceses, em 2002. Logo a seguir entrei no Programa de Mestrado em Teoria da Literatura, da mesma faculdade, de onde saí com a pós-graduação. Em 2006 frequentei uma especialização em edição, na Universidade Católica de Lisboa.


s.m. Conta-nos que tal é a experiência de ser editor, autor reconhecido, sócio-gerente, livreiro e autor/ contribuidor de dois blogues.

l.f.c. É um problema para a minha agenda – mas é sobretudo uma maneira de me sentir vivo. Não sei como parar.


s.m. Além de tudo isto publicaste/ publicas, também, em jornais, revistas e sítios online, correcto? Quais?

l.f.c. Comecei por publicar algumas séries de crónicas em jornais regionais e universitários, aos jornais ainda volto, já sem regularidade. De resto vou participando em revistas e sítios com textos e poemas, um pouco ao sabor de convites e disponibilidades, como é o caso das minhas participações na Minguante.


s.m. O teu primeiro livro, Registo de Nascimento, é poesia. Podemos esperar um romance para breve?

l.f.c. Sinceramente, não. Confesso que é um projecto, mas a minha escrita é sempre muito ligada a uma poética do mínimo. Não escrevo o suficiente para chegar a um romance. Nem sequer tenho tempo para isso.


s.m. Como surgiu o título do teu primeiro livro?

l.f.c. Aquilo que escrevo segue uma linha, ou tem seguido uma linha, muito próxima da infância, do viver desse período, das questões que nos são colocadas perante mundos que não conhecemos, como reagimos, de certo modo, aos processos de aprendizagem, à entrada na idade adulta. Este título surgiu do encontro desta temática que tomo por minha e da vontade de o fazer segundo certas regras que não controlo. Por isso recorri a uma linguagem jurídica, tão distante da minha.


s.m. Dada a tua formação académica e a tua experiência como escritor posso perguntar-te o que consideras mais complexo - escrever poesia ou prosa?

l.f.c. Adaptando uma frase que um dia me disseram, complexo é estar vivo. Poesia e prosa são processos semelhantes, não consigo dar-lhes graus de complexidade.


s.m. Será possível levantar um pouco o véu dos teus projectos futuros, em termos de criação literária, para os leitores do Cultura?

l.f.c. O plano mais imediato é conseguir acabar a revisão do meu próximo livro, para que saia ainda antes do pico do verão. Depois tenho dois convites para publicar na Galiza e no Brasil. É a esses projectos que me dedicarei de seguida.


s.m. E, poderias revelar aos nossos leitores alguns dos autores que a LivroDoDia já editou e, possivelmente, irá editar?

l.f.c. A Livrododia tem editado vários autores no campo da poesia e da prosa. Sem desmerecer ninguém, já que todos os autores da Livrododia fazem parte de uma família que eu valorizo muito, posso destacar a Inês Leitão e o Vítor-Luís Grilo. Para o imediato, vamos publicar também um livro da Rute Mota e um do Philippe Delerm. E o futuro é prometedor, é isso que te posso dizer.


s.m. Qual foi a sensação de ver o teu primeiro livro publicado?

l.f.c. Uma sensação de alívio. Uma sensação de ter finalmente chegado a um nível mínimo para a publicação. O primeiro degrau é sempre muito alto e eu adiei esse momento ao máximo. Não me vou nunca envergonhar do meu primeiro livro, porque só publiquei depois de muito trabalho e de muita reescrita.


s.m. Tiveste/ leccionaste Escrita Criativa?

l.f.c leccionei um pequeno seminário de escrita criativa, uma coisa sem importância.


s.m. Em termos literários, acreditas no termo "Inspiração"?

l.f.c. Não. Acredito no termo trabalho, no termo investigação, no termo experimentação. Inspiração é coisa de amadores.


s.m. Organizas o teu tempo para escrever?

l.f.c. Escrevo sempre que posso, no intervalo de uma tarefa, nas horas livres, quando a cabeça pede. Não tenho um horário estipulado porque o meu trabalho não me permite tê-lo. Mas escrevo e leio todos os dias.


s.m Como caracterizas o teu processo de escrita?

l.f.c. Passo muito tempo a ler e a pensar naquilo que vou escrever. Preparo a cabeça para esse momento. Normalmente deixo passar algum tempo sobre as coisas que escrevo para depois voltar a elas. E repito esse processo várias e várias vezes, até que o texto me pareça satisfatório. O que poderão ver pelos meus livros é que regresso sempre a alguns poemas ou versos dos livros anteriores. Nunca dou nada por terminado.


s.m. O que pensas das edições de autor?

l.f.c Penso que são uma fuga para a frente. O mercado precisa de indicadores em relação aos livros que lhe chegam, que aparecem disponíveis. E uma edição de autor está marcada deste o início por essa ausência de suporte.


s.m. Uma vez que estás dentro do "monstro", qual é a tua opinião em relação ao mundo editorial?

l.f.c. É um mercado como outro qualquer. A noção de cultura está apagada da maior parte do processo. Existem especificidades, mas no geral é gestão. Um mundo como qualquer outro, afinal.


s.m. E, administrando uma livraria e editora, achas que existem mais leitores de poesia ou romance? E qual será a razão?

l.f.c. Existem claramente muitíssimos mais leitores de romance. Ler poesia é como visitar uma língua estrangeira.


s.m. Quem foi, até hoje, o/ a escritor(a) mais fascinante com quem trabalhaste?

l.f.c. O que me fascina nos escritores é a sua capacidade de inventarem a cada passo. Existem alguns que me fazem acreditar que isso é possível.


s.m. Alguma vez te aventuraste no mundo dos Prémios Literários?

l.f.c. Concorri a alguns. Ganhei duas vezes. Deu para viajar.


s.m. Quando começaste a escrever?

l.f.c. Tenho umas rimas escritas em cadernos da primeira e da segunda classe. Começou aí a aventura com as palavras. Mas terá sido aos 15, 16 anos, que descobri que queria escrever mesmo escrever, como os escritores. Ainda não sei se o consegui.


s.m. Que autores lês frequentemente?

l.f.c. Não tenho nenhum autor que considere mestre. Acho que a variedade de leituras é a melhor forma de não nos enganarmos a nós próprios.


s.m. Qual foi, até hoje, o livro e/ ou autor que mais te marcou? Porquê?

l.f.c. Existem três livros que começaram qualquer coisa em mim. Os Cem Anos de Solidão, do G.G. Marquez, A Insustentável Leveza do Ser, do Milan Kundera, e A Náusea, do J.P. Sartre. Talvez nenhum deles seja o meu livro preferido do momento, mas foram livros que foram importantes para mim porque me abriram muito a cabeça. Abriram como ela precisava de ser aberta na altura.


s.m. Que conselho darias, como escritor e editor, a quem sonha retirar da gaveta as suas palavras?

l.f.c. Ler mais.


s.m. Escolhe um poema, do Registo de Nascimento, para acompanhar a tua entrevista, s.f.f.


lembra-se, lembra-se de tudo tudo

os cinco os seis os doze os quinze

lembra, lembra-se

infinitamente

em todos os momentos,

como se pode esquecer

o pai e a mãe sentados na mesa da cozinha

os irmãos a brincar cada um numa ponta da casa

lembrar lembrar

noites em frente da televisão

alguém que bate à porta

o avô morreu

lembrar lembrar

o silêncio de quem não fala

sentados na cozinha

deitados na cama

lembra-se, lembra tudo,

o corpo o corpo o corpo

quem é que tem corpo quando a cabeça estala e explode

mil pedaços de lembranças

a que não se consegue escapar.


in Registo de Nascimento, pág. 61


Muito sucesso no futuro, Luís, são os nossos votos. :)